Toninha está ameaçada no Espírito Santo por lama da Samarco e expansão portuária
Com menos de 600 indivíduos vivendo de forma isolada no litoral norte do Espírito Santo, a população capixaba da Toninha (Pontoporia blainvillei) sofre hoje com duas ameaças mais graves, além da costumeira poluição de ordens diversas que afeta o litoral: a lama de rejeitos da Samarco/Vale-BHP e os projetos de portos.
O assunto foi tema do artigo Opportunistic Development and Environmental Disaster Threat Franciscana Dolphins in the Southeast of Brazil, publicado nessa segunda-feira (6) no Tropical Conservation Science, um jornal científico internacional, editado no Reino Unido, especializado em conservação de ecossistemas tropicais, em que os artigos são revisados por um grupo de cientistas de várias partes do mundo.
No artigo, o oceanógrafo capixaba Hudson Pinheiro, cientista da Academia de Ciências da Califórnia, membro da Associação Voz da Natureza e da “Rede de Especialistas em Conservação da Natureza”, junto de outros autores, discorre sobre a situação da população de Toninha na região da Foz do Rio Doce, e os caminhos para protegê-la.
O objetivo da publicação, explica Hudson, é chamar atenção para a existência dessa população tão importante no Espírito Santo, e que não está sendo levada em consideração nos estudos nem da Fundação Renova – a pluma de rejeitos cobre grande parte da área de distribuição da Toninha no Estado – nem no planejamento do desenvolvimento costeiro. “A maioria dos estudos não a menciona, e não se sabe se isso é proposital, para eliminar condicionantes”, discorre.
A importância da população capixaba Toninha se dá principalmente pelo seu isolamento genético. Ela já é o cetáceo (mamífero marinho) mais ameaçado da América do Sul e endêmico (exclusivo) do sudeste atlântico.
O norte do Espírito Santo, entre Santa Cruz e Itaúnas, é o limite norte da sua distribuição geográfica. Ao norte de Itaúnas ela não ocorre. E, ao sul de Santa Cruz, ela só volta a ocorrer no Rio de Janeiro, havendo esse vazio demográfico entre Santa Cruz e o estado fluminense. A população da Foz do Rio Doce, portanto, região já inserida no Banco de Abrolhos, é isolada das demais da América do Sul, preservando características únicas, que só existem ali.
A inclusão do animal nos estudos da Fundação Renova e nos estudos de impacto ambiental produzidos para o licenciamento ambiental de empreendimentos portuários na região é urgente e necessária para evitar uma catástrofe social e ambiental. Isso porque as soluções para a Toninha, ressalta o pesquisador, constroem, simultaneamente, um modelo de desenvolvimento mais sustentável para as comunidades costeiras locais, para o meio ambiente e para o estado do Espírito Santo como um todo.
Lama e portos
Sobre os danos causados pelo maior crime ambiental da história do País, Hudson ressalta a bioacumulação de metais pesados contidos nos rejeitos de mineração, que intoxica há mais de três anos animais como camarões e peixes.
A concentração de alguns metais pesados encontrados nos corpos deles extrapola em até 100 vezes o nível permitido pela legislação. Ao consumi-los, a Toninha também bioacumula esses metais. Estudos específicos devem comprovar o comprometimento de funções reprodutivas e outros aspectos básicos do desenvolvimento do cetáceo, argumenta Hudson.
Entre os impactos que a atividade portuária pode causar estão a movimentação de embarcações, os impactos sonoros e o levantamento de material poluente em suspensão, com atividades de dragagem.
“Todo o material dragado é jogado no mar, em ambientes naturais, muitas vezes com contaminantes que são redistribuídos na coluna d’ água. São problemas já muito bem conhecidos para cetáceos. E como a Toninha vive muito próximo à costa, pode sofrer impactos ainda maiores”, alerta Hudson.
Desenvolvimento sustentável
Por meio do projeto “Foz do Rio Doce: da pesquisa à conservação – Plano de Ação para conservação de pequenos cetáceos na Foz do Rio Doce”, financiado pela Fundação O Boticário, Hudson somou-se à proposta de criação de uma unidade de conservação (UC) na Foz do Rio Doce, que tem mais de uma década, mas ainda não foi concretizada.
“O ideal seria uma UC na Foz do Rio Doce e outra ao norte, entre o Rio Doce e Itaúnas, pra proteger bem essa região, que é uma das menos industrializadas do Estado e tem grande importância ecológica, servindo ainda de berçários para espécies de grande porte já praticamente extingas em outros lugares, como golfinhos, tubarões e toninhas. A região também é habitada por comunidades que vivem de recursos pesqueiros e turismo, com grande possibilidade de desenvolvimento sustentável”, orienta.
ONU
Cada espécie animal ou vegetal que é extinta ou fica ameaçada de extinção produz desequilíbrio em todo o seu ecossistema, dificultando a geração de serviços ambientais essenciais, como produção de água, conservação do solo e proteção às mudanças climáticas.
Um relatório da Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistema (IPBES), da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado nesta segunda-feira (6), mostrou que um milhão de espécies da fauna e flora do mundo estão sob ameaça.
No relatório, os especialistas indicaram ações de sustentabilidade para diversas áreas. Na agricultura estão a sugestão de práticas agroecológicas e a importância do engajamento de produtores, consumidores e governos na preservação ambiental. Em relação aos ambientes marinhos, sugere a criação de áreas marinhas protegidas, gestão da pesca e redução da poluição.
Por Fernanda Couzemenco
Fonte: Século Diário