Tribunal de Justiça de SP tranca inquérito contra mulher que resgatou cão que tinha tutor

Tribunal de Justiça de SP tranca inquérito contra mulher que resgatou cão que tinha tutor
Corte paulista tranca inquérito contra mulher que resgatou cachorro que tinha dono

Para que a conduta seja penalmente típica, é necessária a presença do elemento subjetivo do tipo, consubstanciado pelo dolo. Com base nesse entendimento, a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o trancamento de um inquérito policial contra uma mulher investigada pelo furto de um cachorro. Em pedido de Habeas Corpus, a defesa afirmou que a paciente apenas resgatou o animal, que estava abandonado nas ruas.

Depois disso, um homem, alegando ser o tutor do cachorro, procurou a polícia e um inquérito foi instaurado. A defesa, no entanto, alegou que a acusada não agiu com dolo, mas apenas com intuito de retirar um animal abandonado das ruas. Ao acolher os argumentos, o relator, desembargador Luís Geraldo Lanfredi, disse que os fatos noticiados no inquérito não encontram possível adequação penal típica.

“A contraposição das versões oferecidas tanto pela paciente, como pelo ofendido [diametralmente opostas] demanda aprofundamento probatório que não se compraz com a avaliação que toca ao âmbito restrito de uma ação de Habeas Corpus. Todavia, a conjuntura fenomênica exposta propicia [de antemão e sem exigir qualquer revolvimento probatório] a admissibilidade do chamado erro de tipo”, afirmou.

Segundo o relator, o erro de tipo consiste em uma falsa percepção da realidade e, no caso dos autos, decorre de duas situações muito bem delineadas: o suposto estado de abandono do animal e a afirmação por terceiro de que o cachorro estava realmente desprovido de cuidados, razões que levaram a paciente a resgatar o cão.

“Tratam-se de circunstâncias fáticas compatíveis com o erro sobre as elementares típicas, devidamente lastreadas pela falsa percepção ou impressão sobre uma realidade. Isto porque não se mostrava evidente, nem tampouco presumível, que o animal tinha dono ou pertencia a alguém. Contexto que desagua, invariavelmente, na ausência de dolo na conduta da paciente, disse Lanfredi.

Neste cenário, para o relator, não há que se falar em furto, uma vez que a paciente não tinha conhecimento acerca da propriedade do animal e acreditava “tratar-se de res nullius (coisa de ninguém)”. “A bem da verdade, a paciente não detinha condições de alcançar a ciência sobre a ilicitude do comportamento que praticava.”

O desembargador ressaltou ainda que o legislador não previu o delito de furto em sua forma culposa. Ou seja: para que a conduta seja penalmente típica, é necessária a presença do dolo, isto é, a vontade livre e consciente de se apossar de coisas de terceiros. “E nesse espectro, o erro de tipo inevitável (como no caso dos autos) ao excluir o dolo, resulta na exclusão da própria tipicidade”, completou.

Para Lanfredi, não é possível concluir que a acusada tinha intenção de apoderar-se definitivamente do animal, em prejuízo da suposta vítima: “Infere-se da conduta da paciente, tão somente e só isso, a intenção deliberada de retirar das ruas um animal que estava descuidado e abandonado. Trata-se de atuação movida pelo sentimento de preservação do animal e não pela vontade de ter o cão para si enquanto coisa”.

Clique aqui para ler o acórdão
Processo 2163450-22.2022.8.26.0000

Por Tábata Viapiana

Fonte: ConJur

Os comentários abaixo não expressam a opinião da ONG Olhar Animal e são de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.