Veterinário preso em Vila Velha (ES): quais são os direitos dos tutores dos animais vítimas de maus-tratos?

Veterinário preso em Vila Velha (ES): quais são os direitos dos tutores dos animais vítimas de maus-tratos?
Foto: Prefeitura de Vila Velha

Na última semana um caso de maus-tratos a animais ganhou repercussão na imprensa capixaba. Um médico veterinário, dono de uma clínica de Vila Velha, foi preso acusado de maltratar cães e gatos no estabelecimento. Por lá, a polícia encontrou mais de 17 animais congelados em freezers. O homem passou por audiência de custódia e teve a prisão convertida em preventiva na última sexta (10).

Mas você sabe quais são os direitos dos tutores de animais maltratados? A reportagem do Folha Vitória ouviu especialistas, que falaram sobre o assunto. No caso da prestação de serviços, a “vítima” é o animal, pois é este que sofre os danos, como, por exemplo, a morte em razão do serviço prestado ou a amputação da orelha. Entretanto, o Direito estabelece que o lesado é o proprietário do animal.

Foto: Divulgação
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Segundo a advogada especialista em direito do consumidor Erica Neves, os tutores podem ter direito à indenização dependendo de todas as provas levadas aos autos do processo.

“O processo jurídico vai identificar, desde a escolha por uma clínica ou profissional habilitado, até a documentação existente e perícias a serem realizadas se forem necessárias”, disse a advogada.

Por isso, é importante exigir os prontuários, receitas, relatórios, notas fiscais, histórico médico do animal, porque será necessário provar negligência, imperícia ou imprudência que tenha resultado na lesão física e emocional do animal e prejuízo financeiro e emocional dos tutores.

De acordo com Erica, existindo provas dos maus-tratos, os tutores ou qualquer outra pessoa deve procurar a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente no próprio Ministério Público e também no Conselho Regional de Medicina Veterinária, além de reunir provas do estado clínico do animal antes e depois da entrega.

“Vale registrar que o site do Conselho Regional de Medicina Veterinária possibilita que toda a sociedade confira a regularidade dos estabelecimentos e dos profissionais, então é sempre bom conferir antes de entregar seu pet aos cuidados de terceiros”, contou a advogada.

Caso os maus-tratos estejam acontecendo no mesmo momento, o indicado é que o denunciante acione o 181 da Polícia Militar para que o infrator seja preso em flagrante delito. A Lei 14.064/2020 estabelece que quem cometer esse crime será punido com 2 a 5 anos de reclusão, multa e proibição da guarda. “Caso o crime resulte na morte do animal, a pena pode ser aumentada em até 1/3”, informou Erica.

Ainda segundo a advogada, em caso de clínicas veterinárias, o tutor pode denunciar no Conselho Regional de Medicina Veterinária visando a cassação do registro do profissional responsável.

“E claro, pode levar ao judiciário visando uma indenização moral e/ou material decorrente do crime praticado, pois afeta diretamente o psicológico e o dia a dia do tutor do animal”, disse.

Se uma clínica identificar maus-tratos em um animal deixado aos seus cuidados, ela tem o dever de denunciar confirme o artigo 2º do Código de Ética de Medicina Veterinária.

Denuncias ajudam em casos de maus-tratos

Foto: Prefeitura de Vila Velha
Foto: Prefeitura de Vila Velha

Diante do caso que resultou na prisão em flagrante do médico veterinário André Carolino na última quinta-feira (09), atuante em clínica própria no bairro Pontal das Garças, em Vila Velha, em entrevista ao programa FalaES, especialistas conversaram sobre os direitos dos donos dos animais vítimas do profissional.

Durante a entrevista, a tutora Olga Maria Nunes contou que levou a cadela Isadora, de 1 ano e 5 meses, para a clínica veterinária porque tinha uma pele no olho. O médico que atendeu a mulher e o marido dela informou que o animal precisava de uma cirurgia do palato.

Sem alternativas, o casal permitiu a cirurgia porque o médico havia explicado ser uma emergência para evitar a morte da cadela. Contudo, a Prefeitura de Vila Velha ligou para Olga informando a morte do animal e a prisão do médico veterinário.

Foto: Reprodução TV Vitória
Foto: Reprodução TV Vitória

O médico Gilberto Marcos Junior disse que o Conselho Regional de Veterinária (CRV) recebeu diversas denúncias sobre a clínica de André. Ele informou que a denúncia pode ser feita em diversos canais do Conselho.

Em complemento, o advogado Fábio Fabiano explicou que as denúncias podem resultar na suspensão do registro do profissional e da clínica. Além de responder por maus-tratos aos animais, André pode responder por organização criminosa caso seja constatado a presença de outros indivíduos.

Uma outra tutora, em entrevista, relatou que o cachorro dela foi levado à clínica com um calo e o olho vermelho e inchado. O médico contou a ela que o animal estava com câncer no olho e precisava de duas cirurgias.

Ele cobrou R$ 3 mil para realizar as cirurgias nos membros do cachorro, que teve uma das patas amputadas. Veja como ficou o animal após a cirurgia:

Apesar da negligência nesse caso, segundo a advogada Erica Neves, é possível realizar uma cirurgia sem informar ao tutor, desde que o animal esteja com sua vida em risco e seja o procedimento correto a ser feito. 

“A prioridade do médico veterinário é salvar a vida do animal, cabendo explicar e justificar o procedimento depois aos seus tutores”, disse.

Segundo a advogada, esse procedimento é autorizado no inciso VII do art. 9º do Código de Ética do Médico Veterinário, que proíbe praticar qualquer ato profissional sem consentimento formal do cliente, mas destaca a exceção em caso de iminente risco de morte ou de incapacidade permanente do paciente.

Contudo, diante da análise clinica da situação, normalmente existe indício da necessidade de procedimentos mais invasivos e isso é avisado ao tutor do animal antes do início da cirurgia.

“Fugindo desta possibilidade, o veterinário tem o dever de comunicar ao tutor para que este escolha a realização do procedimento e em caso de recusa o médico vai registrar esta recusa, conforme estabelece o inciso X do Art. 6º do Código de Ética e também o Art. 6º do Código de Defesa do Consumidor”, explicou a advogada.

O caso

O médico veterinário André Carolino foi preso por maus-tratos durante operação realizada na manhã de quinta-feira (09) no bairro Pontal das Garças, em Vila Velha. A clínica em que o homem trabalha e é proprietário também foi interditada.

A reportagem da TV Vitória/Record TV apurou que, no local, havia dois freezers com vários cachorros mortos congelados. Segundo a polícia, pelo menos 17 animais estariam guardados nos equipamentos. Veja:

A ação resgatou pelo menos 14 animais internados. Segundo o titular da Delegacia Especializada de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), delegado Eduardo Passamani, foram encontradas condições insalubres de centro cirúrgico e acomodação, medicamentos vencidos, animais mortos, entre outras irregularidades.

Segundo apuração da TV Vitória, os tutores eram convencidos a deixarem os animais na clínica por um falso aspecto de higiene e limpeza próximo à área da recepção. Apesar disso, o estabelecimento é muito grande e se assemelha a um ferro-velho. Nos fundos do local, é possível ver vasos sanitários, lixo e objetos velhos.

Desde janeiro deste ano a TV vem recebendo reclamações de clientes que levam cães e gatos à clínica. Diversos tutores receberam os animais sem vida. A polícia também encontrou animais mortos em sacolas dentro do próprio centro cirúrgico.

A operação contou com a participação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Estadual de Maus Tratos, da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Espírito Santo (CRMV-ES), além da Secretaria de Meio Ambiente, Guarda Civil Municipal (GMVV), Secretaria de Defesa Social e Trânsito, Coordenação de Posturas, da Secretaria de Serviços Urbanos e Vigilância Sanitária, todos da Prefeitura de Vila Velha.

Por Ana Paula Brito (com supervisão de Laís Magesky)

Fonte: Folha Vitória

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