Governo da Coreia do Sul busca reconhecer os animais como ‘seres vivos’, não como ‘objetos’

Governo da Coreia do Sul busca reconhecer os animais como ‘seres vivos’, não como ‘objetos’
Tutores de animais de estimação participam de uma feira de pets na Seoul Trade Exhibition Center (SETEC) no distrito de Gangnam, Seul, na sexta-feira. Nesta filmagem de um circuito de segurança, em 13 de julho de 2019, um homem derrama um líquido não identificado no corpo de um gato que ele matou no distrito de Mapo, em Seul. Crédito: Yonhap - Agência de Notícias da Coreia do Sul.

Para um país com cerca de 1,5 milhão de tutores de animais de estimação, a estrutura jurídica da Coreia do Sul para proteção animal é considerada relativamente fraca, o que leva a uma baixa conscientização do público sobre o bem-estar animal e punições brandas por crueldade contra os animais.

A principal razão para isso, apontada por muitos ativistas dos direitos dos animais, é porque o código civil define os animais como “objetos”, não como seres vivos. De acordo com a lei atual, os animais são considerados propriedade de seus donos humanos, algo que pode ser possuído, comercializado e controlado sem nenhum dos direitos básicos que são dados às pessoas.

Portanto, os agressores de animais frequentemente enfrentam punições relativamente fracas, proporcionais ao seu nível de crueldade, já que suas sentenças são baseadas na Lei de Danos à Propriedade e na Lei de Proteção Animal.

Mas isso pode mudar, já que o Ministério da Justiça anunciou recentemente planos para alterar o código civil e reconhecer de forma legal os animais como entidades vivas.

Em resposta a um número cada vez maior de pessoas que consideram os animais de companhia como parte de sua família, o ministério disse que vai retirar os animais da categoria de propriedade e designar uma possível terceira categoria, em uma tentativa de garantir seus direitos legais básicos.

Os ativistas dos direitos dos animais saudaram a decisão do ministério, e disseram que a emenda melhorará o bem-estar animal e levará a leis mais rígidas para a proteção de vidas não humanas.

O que significa a revisão?

“Resumindo, trata-se de melhorar o status jurídico dos animais, como muitos ativistas dos direitos dos animais têm exigido há muito tempo”, disse Sin Su-kyung, advogada do People for Non-Human Rights (PNR), um grupo de advogados envolvidos em atividades de proteção animal.

Sin expressou esperança de que, como a emenda elevará o status jurídico dos animais para além da propriedade, trará um tratamento melhor para eles em suas vidas diárias, bem como em conflitos jurídicos.

Chae Il-taek, funcionário da Associação Coreana de Bem-Estar Animal (Korean Animal Welfare Association – KAWA), disse: “Este será o primeiro passo para estabelecer os direitos da vida não humana em nosso sistema legal. Esperamos mudanças positivas nas leis relacionadas aos animais em seguida”.

Uma cidadã leva seu cachorro para passear no centro de Seul, 24 de janeiro.

Quais mudanças a emenda trará?

Tanto Sin quanto Chae consideraram que mudar as percepções dos animais como seres vivos, e não como objetos, levará a revisões das leis relacionadas aos animais e disposições da lei criminal, bem como da Constituição.

“Embora a mudança de um código civil possa não trazer mudanças drásticas no curto prazo, ela fornecerá base para a legislação de leis especiais sobre proteção animal ou a estipulação dos direitos dos animais na Constituição, que resolverá as atuais dificuldades em lidar com crimes de maus-tratos aos animais”, Chae disse.

Um dos principais motivos pelos quais é difícil revogar a propriedade de pessoas que maltratam seus animais de estimação é porque a Constituição garante seu direito à propriedade. Além disso, a punição pelo abate de animais em fazendas de cães e exploração em outras instalações não é fácil, pois colide com a liberdade de ofício estipulada na Constituição, segundo Chae.

Sin acredita que um sistema de compensação mais detalhado para crimes relacionados a animais de estimação será estabelecido após a revisão.

“No sistema atual, quem comete violência contra animais de estimação compensa o dono do animal com base no valor do animal no mercado, o que não é apenas antiético, mas também um procedimento complicado quando se trata de uma mistura de raças, por exemplo”, ela disse.

Ela acrescentou que a melhoria do status jurídico também protegerá melhor os animais de estimação em processos de divórcio. Como os animais de companhia são considerados bens durante os procedimentos de separação no tribunal, eles são tratados da mesma forma que móveis ou imóveis.

Os agressores de animais enfrentarão punições mais duras?

Embora as decisões dos tribunais tenham imposto punições cada vez mais severas para os agressores de animais do que antes, os ativistas dos direitos dos animais têm pedido bases legais adicionais para acusações além de “destruição de propriedade”.

Nesta filmagem de um circuito de segurança, em 13 de julho de 2019, um homem derrama um líquido não identificado no corpo de um gato que ele matou no distrito de Mapo, em Seul. Crédito: Yonhap – Agência de Notícias da Coreia do Sul.

Em 2019, em uma punição rara e dura por maus-tratos a animal, um homem na casa dos 30 anos foi condenado a seis meses de prisão por matar o gato de estimação de seu vizinho batendo-o no chão várias vezes. Ele foi acusado de danos materiais e violação da Lei de Proteção Animal.

“Se os animais receberem um status jurídico diferente de objetos, isso impulsionará as discussões sobre disposições complementares à Lei Criminal e à Lei de Proteção Animal sobre o fortalecimento das penalidades legais”, disse Chae.

Mais discussões sobre as medidas detalhadas são necessárias

“Embora o anúncio do Ministério da Justiça seja significativo, é apenas o começo”, disse Sin, e acrescentou que as autoridades precisarão trabalhar nos detalhes da revisão.

Ainda não está claro se a emenda dará status jurídico a todos os animais, incluindo animais de laboratório e gado. “O ministério da justiça deve se envolver em negociações com os órgãos governamentais relevantes, como o Ministério da Agricultura, Alimentação e Assuntos Rurais”, disse ela.

O ministério planeja executar uma força-tarefa sobre a emenda e realizar reuniões com especialistas externos para elaborar medidas detalhadas, enquanto grupos de direitos dos animais, inclusive a KAWA, expressaram seu total apoio à legislação.

Por Lee Hyo-jin / Tradução de Ana Carolina Figueiredo

Fonte: Korea Times


Nota do Olhar Animal: Aos animais se deve consideração moral não por serem seres “vivos” e sim por serem sencientes. E essa consideração deve ser refletida no arcabouço jurídico. Senciência é um conceito chave para a discussão ética sobre os animais. Trata-se da junção de dois outros conceitos: o da sensibilidade e o da consciência. Sencientes são os organismos vivos que, além de apresentarem reações orgânicas ou físico-químicas aos processos que afetam o seu corpo (sensibilidade), percebem estas reações como estados mentais positivos ou negativos (consciência). É um indício de que naquele ser existe um indivíduo (um eu) que vivencia e experimenta as sensações, diferenciando-o assim de coisas vivas, como as plantas. A capacidade de sofrer ou de desfrutar sensações torna estes seres dignos de igual consideração moral em relação aos humanos, dada a extrema relevância desta condição.

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