Merenda vegana

Merenda vegana

Justificativa

A dieta genuinamente vegetariana, conhecida como dieta vegana, exclui todos os produtos derivados de animais: carnes, embutidos, leite e seus derivados (lactose, proteínas, caseinatos, soro de leite, aromas galactogênicos, etc.), laticínios, mel, corantes e derivados de animais.

As proteínas constituem um dos grupos alimentares essenciais para a nossa saúde. Entretanto, elas não precisam ser de origem animal. As proteínas vegetais possuem gorduras poli-insaturadas que protegem o organismo contra as doenças cardiovasculares.

A maior parte das pessoas não recebe orientação nutricional sobre o valor das proteínas vegetais. No livro, O poder medicinal dos alimentos (Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2007), o médico Jorge Pamplona apresenta as combinações ideais de alimentos vegetais que garantem de forma equilibrada os 20 aminoácidos dos quais necessitamos para atender as necessidades proteicas de manutenção e renovação dos tecidos do nosso organismo.

Abacate, amendoim com cereal integral, amendoim com legumes, amendoim com levedo de cerveja, amendoim com cereais integrais e legumes, arroz com lentilhas, aveia com leguminosas, cevada cozida com legumes al dente, batatas com milho ou outro cereal integral, couves com cereais integrais ou com leguminosas, ervilhas com cereais integrais, feijão de qualquer tipo com cereal integral, ou com sementes de girassol, de gergelim, feijão com levedo de cerveja, nozes com cereais integrais, e semente de girassol, fornecem todos os aminoácidos essenciais necessários ao nosso organismo.

As proteínas possuem a função de construir e manter nossos tecidos e órgãos. Elas estão presentes na pele, nos músculos, nos cabelos etc. Regulam o crescimento, o desenvolvimento, a reprodução e as funções de muitos tecidos, bem como os processos metabólicos do organismo. Ajudam na defesa do organismo através dos anticorpos. As proteínas são responsáveis pelo crescimento das crianças, além de catalisarem as funções bioquímicas, responsáveis pelo transporte de oxigênio e um pouco de gás carbônico através do sangue.

Dados científicos, conforme publicado pelo Comitê dos Médicos para uma Medicina Responsável, que congrega mais de 6.000 profissionais, orientando seus pacientes para a adoção de uma dieta estritamente vegetal indicam relações positivas entre essa dieta e a redução e eliminação do risco de várias doenças e condições degenerativas crônicas, como obesidade, artrite reumatoide, doença arterial coronariana, hipertensão, diabetes melito e alguns tipos de câncer.

Como toda dieta, a dieta vegana precisa ser apropriadamente planejada em termos nutricionais. Alimentando-se de maneira natural, com fontes de proteína vegetal integral variadas, o corpo terá a saúde e a vitalidade que precisa. O respeito às necessidades especiais têm representado um avanço político e moral imenso na sociedade brasileira.

Ao contrário do que se costuma pensar, as necessidades especiais não se limitam à impossibilidade de movimentar o corpo ou de expressar a mente segundo os padrões possíveis à maioria das demais pessoas. Há necessidades especiais relativas ao metabolismo de digestão, absorção, assimilação, fixação e eliminação da matéria alimentar. Exemplos de tal necessidade nutricional especial são o das crianças diabéticas e o das intolerantes ou alérgicas ao leite e seus derivados.

Segundo estatísticas internacionais, a maioria dos seres humanos, algo da ordem de cinco bilhões, dos sete bilhões que constituem a população humana ao redor do planeta, não segue produzindo a lactase após a primeira dentição. Sem essa enzima, o leite bovino e seus derivados seguem pelo sistema digestório sem serem digeridos e assimilados convenientemente. Essa característica digestória e metabólica representa fonte de mazelas e doenças já detectadas, cuja terapia consiste na abolição completa de todos os alimentos elaborados com ingredientes derivados do leite. Dor de barriga infantil recorrente, muco escorrendo do nariz, gases, cólicas, diarreias, intestino preso, dor de cabeça, anemia ferropriva, diabetes, lesões no interior das artérias, hipercolesterolemia, sobrepeso, irritabilidade e mesmo reações violentas têm sido estudadas e avaliadas em sua associação com a ingestão de leite e laticínios pelas crianças, jovens e adultos.

No mês de julho de 2012, os médicos do Comitê dos Médicos por uma Medicina Responsável apresentaram uma petição ao Governo dos Estados Unidos, para que seja abolido o uso do leite na merenda de todas as escolas daquele país. As sequelas da ingestão do leite e laticínios estão fartamente descritas na literatura médica e técnica norte-americana, canadense, neozelandesa, para citar alguns países nos quais a verdade sobre os malefícios de uma dieta baseada no leite bovino vem sendo revelada há mais de 30 anos.

A insuficiência da lactase se constitui hoje no maior problema de ordem nutricional afetando mais da metade da população mundial. Ela é de ordem genética. Quando o organismo mamífero se torna independente do leite materno, cessa a produção da lactase, a enzima responsável pela correta digestão do açúcar do leite, a lactose. As crianças brasileiras descendem de povos com alta taxa de intolerância à lactose após o desmame natural: africanos, asiáticos, indígenas, árabes, judeus, italianos, portugueses, espanhóis, para citar aqueles cujas taxas de intolerância à lactose podem alcançar 75% da população. Essa intolerância é passada de pai e mãe para filhos.

Se considerarmos que necessidades especiais merecem nosso respeito, está na hora de incluirmos necessidades nutricionais especiais na lista das diversidades étnicas a serem levadas a sério pelo poder público. Uma dieta bem planejada, baseada em fontes vegetais cuidadosamente selecionadas e variadas deve constituir a regra nutricional em todas as escolas. A saúde digestória das crianças tem implicações diretas e indiretas sobre seu rendimento escolar.

Segundo o neurocientista nutricional, Dr. Russell Blaylock, autor dos livros Excitotoxins (Toxinas excitantes) e Health and Nutrition Secrets (Segredos da Saúde de Nutrição), e a nutricionista Carol Simmontacchi, autora do livro The Crazy Makers (Os enlouquecedores), sobre os danos cerebrais originados pelos alimentos altamente processados e aditivados, o consumo de alimentos processados que contêm glutamato monossódico, aspartame e gordura vegetal hidrogenada está fartamente confirmado como prejudicial à saúde dos neurônios da área cognitiva, não apenas nas crianças, mas também nos adultos e especialmente nos idosos. Estamos caminhando para a longevidade. Corroborando os estudos de Blaylock e Simmontacchi, o bioquímico norte-americano Collin T. Campbell, autor dos livros The China Study (O estudo da China, 2005) e Whole: Rethinking the Science of Nutrition (Integral: Repensando a ciência nutricional, 2013) investigou os malefícios da dieta baseada nas carnes, nos refinados e processados e no leite e seus derivados, não apenas por conter lactose, impossível de ser convenientemente digerida por mais da metade da população mundial, mas especialmente pela caseína, uma das proteínas do leite, altamente concentrada nos seus derivados, causadora de lesões nas paredes arteriais, e fomentadora das células embrionárias de tumores cancerígenos.

É da responsabilidade dos pais, dos educadores, dos legisladores e dos governantes estabelecer políticas nutricionais visando a saúde e a longevidade da população brasileira. Tendo ciência dessa responsabilidade para com a presente geração e visando seu bem-estar futuro, há que se redefinir a política da merenda escolar, excluindo a obrigatoriedade da ingestão de certos alimentos, típica da oferta predominante hoje em todas as escolas. Necessidades nutricionais especiais, conforme o alerta a filósofa Sônia T. Felipe, em seu livro Galactolatria: mau deleite, devem ser consideradas com tanto respeito quanto hoje o são outras necessidades especiais. Sentar-se no banco escolar sofrendo todas as manhãs ou tardes de distúrbios digestórios causados pela incapacidade de digestão dos alimentos oferecidos na merenda escolar, leva boa parte das crianças a terem um baixo rendimento escolar. Se abolirmos de sua merenda os alimentos prejudiciais ao seu bem-estar digestório, desoneramos seu organismo de uma tarefa inglória, a de digerir algo para o qual não produz mais enzimas. As crianças brasileiras estão em posição nada honrosa no ranking mundial do rendimento escolar. Coincidentemente, sua merenda escolar está firmada sobre alimentos de origem animal, nada propícios à saúde e ao bem-estar físico e mental.

Por outro lado, a Constituição Brasileira garante aos cidadãos a livre expressão de sua individualidade. A saúde é uma das formas de expressão fundamental da individualidade humana. A dieta também. É preciso garantir igualdade constitucional a todas as crianças. Isso significa que, é preciso oferecer uma merenda escolar capaz de atender às necessidades nutricionais de todas as crianças, sem privilegiar uma minoria capaz de digerir convenientemente certos alimentos, enquanto a maioria submetida a essa mesma imposição dietética não pode fazer frente à demanda digestória imposta por esses alimentos. Leite e laticínios são exemplo.

Garantir a saúde das células e tecidos que formam nosso cérebro e contribuem para formatar nossa mente é responsabilidade coletiva, restando aos poderes legislativo e executivo estabelecer as políticas públicas devidas para a consecução das metas de saúde pública infantil, juvenil, adulta e idosa.

O Art. 3º da Constituição Brasileira, em seu item IV, estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre outros, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ao incluir na formulação do item IV a expressão “quaisquer outras formas de discriminação”, a Constituição deixa aberta a possibilidade de elaborarmos políticas públicas abolindo a discriminação em todas as formas nas quais ela possa se manifestar. Portanto, ao oferecer a merenda escolar, o poder público não pode tratar todas as crianças de modo padronizado, pois isso configura desrespeito à capacidade digestória de cada indivíduo, constituída por fatores alheios ao comando pessoal, fatores que podem ser de ordem genética, como é o caso da intolerância a certos alimentos ou do malefício de certos alimentos, ainda que possam ser digeridos sem maiores transtornos.

Mantendo o princípio da igualdade como ideal normativo, o Art. 5º da Constituição declara que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. No item XXXII desse artigo, o texto declara que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. É oportuno lembrar que os itens mais consumidos ao longo do dia por qualquer pessoa em qualquer idade, salvo casos excepcionais, são os alimentares. Portanto, se ao Estado compete assegurar a inviolabilidade da saúde e a defesa do consumidor, a ele não competirá impor aos cidadãos uma dieta que carreie malefícios à saúde deles.

No Art. 6º da Constituição são afirmados como direitos sociais, além de outros, a educação, a saúde e a alimentação, bem como a proteção à infância. Mais uma vez, impor às crianças em idade escolar uma dieta prejudicial à sua saúde presente e futura, constitui desrespeito a esse artigo constitucional.

O Art. 23, por sua vez, estabelece a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo, segundo item II desse artigo, o cuidado da saúde e assistência pública, a proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência. Justamente essa atribuição específica de defesa das pessoas portadoras de alguma deficiência, acaba por obrigar os poderes em todos os níveis à formulação de políticas públicas que representem o respeito às necessidades especiais. Considerando-se que a inabilidade ou incapacidade para digestão de certos alimentos, seja por intolerância, alergia ou inadequação digestória, deve ser reconhecida como uma necessidade nutricional especial, o referido artigo permite a adoção de políticas de merenda escolar apropriadas ao atendimento da saúde de todas as crianças, sem discriminar qualquer uma delas e sem forçar todas a um padrão dietético incompatível com suas necessidades e capacidades metabólicas específicas e individuais.

No Art. 24 a Constituição atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal a função de legislar concorrentemente sobre, entre outros, conforme item VIII, a responsabilidade por dano ao meio ambiente e ao consumidor. No item XV desse mesmo artigo, está incluída a proteção à infância e à juventude. Se pensarmos a alimentação como base da saúde e longevidade humanas, a qualidade dessa alimentação deve ser compatível com a capacidade individual de digestão e assimilação dos nutrientes que a compõem.

Em seu Artigo 30, a Constituição estabelece a competência dos municípios quanto a legislar sobre assuntos de interesse local, conforme especifica o item I desse artigo, e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, conforme o determina o item II do mesmo artigo. Portanto, ainda que a Constituição Federal não tenha estipulado que necessidades nutricionais especiais sejam consideradas com igual respeito, os municípios estão aptos a legislarem sobre tal matéria, dando, portanto, exemplo às demais instâncias do poder legislativo e executivo, até que tal legislação seja adotada de forma universal em nosso país, atendendo, portanto, à diversidade étnica da população que o constitui. Nesse sentido, é preciso lembrar que é dever do município o fornecimento obrigatório da alimentação escolar, conforme art. 271, inciso XIX da LOM.

No Art. 196 vemos estabelecida a saúde como um direito de todos e dever do Estado, garantida por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. O programa de nutrição infantil oferecido através da merenda escolar não representa garantia de saúde às crianças, especialmente quando forçadas à ingestão de alimentos que não podem digerir convenientemente.

No Art. 220 temos estabelecido pela Carta Magna que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. De acordo com o espírito democrático e universal que rege esse artigo, é preciso garantir que as escolhas dietéticas finalmente sejam definidas como parte significativa da liberdade de expressão da consciência individual. Para tanto, é preciso garantir que a escola seja referência no estudo da questão alimentar, orientando a criança para escolhas alimentares saudáveis. Nesse sentido, as escolas deveriam permitir apenas a comercialização em suas cantinas e lanchonetes, de alimentos vegetais orgânicos, eliminando dos lanches quaisquer alimentos processados e especialmente os que contêm contaminantes.

Em seu Art. 227, a Constituição estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A dieta alimentar imposta às crianças através do programa de merenda escolar em toda rede municipal do ensino constitui fonte de referência nutricional que acompanhará o cidadão para o resto de sua vida. Muitos deles passarão sua vida inteira sem ter acesso a qualquer outra informação sobre os nutrientes ou contaminantes presentes nos alimentos que foram acostumados a ingerir na Escola. As famílias, por sua vez, acabam por acatar e reproduzir o padrão dietético imposto pela sociedade. Analogamente ao que ocorre às crianças, a quase totalidade da população adulta não tem acesso à literatura médica e científica que revela o potencial maléfico de certos alimentos para a saúde e a longevidade humanas. Por essa razão, as políticas públicas que definem o conteúdo da merenda escolar têm imensa responsabilidade sobre o futuro da saúde das crianças alimentadas na escola, e, consequentemente, sobre a qualidade da saúde da população brasileira no curto, médio e longo prazo.

Colaboração de Sônia T. Felipe.

Projeto de lei

Uma das ações recomendadas é a proposição de projeto de lei sobre o tema. O ideal é que o projeto seja apresentado pelo Poder Executivo, pois há o risco de ser derrubado sob a questionável alegação de “vício de iniciativa” caso seja apresentado pelo Legislativo. Discordamos desta posição, pois a implantação da merenda vegana não implica em aumento de despesas, que é a base desta acusação. Para a transformação da merenda onívora em vegana basta que dê o gerenciamento adequado dos alimentos.

Segue sugestão de Projeto de Lei:

PROJETO DE LEI Nº

Dispõe sobre a instituição do
Programa de Alimentação Vegana
no cardápio da merenda escolar
da Rede Pública Municipal de ensino.

A CÂMARA MUNICIPAL DE ___________ DECRETA:

Art. 1º. Fica o Poder Executivo responsável por instituir o Programa de Alimentação Vegana no cardápio da merenda escolar da Rede Municipal de ensino.

Art. 2º. Para efeito desta Lei, entende-se por alimentação vegana aquela elaborada sem qualquer ingrediente de origem animal.

Art. 3º. Fica o Poder Executivo responsável por garantir, na elaboração do cardápio vegano, o equilíbrio necessário ao atendimento das necessidades nutricionais dos alunos da Rede Municipal de ensino.

Art. 4º Fica o Poder Executivo, através da Secretaria de Educação, responsável por elaborar cartilha, em linguagem acessível e objetiva, com informações sobre a suficiência nutricional da dieta vegana, bem como por dar conhecimento da existência deste material e disponibilizá-lo para pais ou responsáveis pelos alunos antes da matrícula.

Art. 5º. Fica o Poder Executivo, através da Secretaria Municipal de Educação, responsável pela criação de um cronograma para a introdução do cardápio vegano, observando o prazo máximo de 6 (seis) meses para a disponibilização da merenda vegana aos alunos.

Art. 6º. No ato da matrícula, os pais dos alunos responderão à secretaria da escola se seu filho é vegano ou se querem que o cardápio seja aplicado ao aluno de sua responsabilidade.

Art. 7º – Esta lei será regulamentada no prazo de 60 (sessenta) dias.

Art. 8º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.


Material de apoio

Parecer do Conselho Regional de Nutricionistas da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul) sobre a suficiência nutricional da dieta vegetariana.

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