A guerra da administração Trump contra a vida selvagem deveria ser um escândalo

A guerra da administração Trump contra a vida selvagem deveria ser um escândalo
Presidente Trump faz declarações no Departamento do Interior com o Secretário Ryan Zinke e o Vice-Presidente Mike Pence, em 26 de abril de 2017. - Foto: Mike Theiler - Pool/Getty Images

A política da administração Trump está levando a uma destruição generalizada de certas aves e outros animais selvagens. Este fato escapou do noticiário público em meio aos danos mais amplos que seu gabinete tem causado ao meio ambiente.  Dentre outras medidas, as agências reguladoras têm trabalhado para suspender a proteção de espécies ameaçadas de extinção, para liberar vastos habitats de animais à exploração de petróleo, encorajar a caça de troféus e coibir os padrões de tratamento aos animais criados em fazendas.

É verdade que todas as administrações republicanas, desde a presidência de Ronald Reagan, com seu desprezo pela regulamentação federal, têm sido usualmente hostis ao reino animal.  George W. Bush, por exemplo, adicionou apenas 62 animais à lista de espécies ameaçadas durante seus oito anos de mandato, comparado aos 700 animais incorporados nas administrações de Bill Clinton e Barack Obama. Mas vários defensores veteranos que entrevistamos em dezembro disseram que a equipe de Trump tem sido excepcionalmente agressiva em seu desmantelamento regulatório.

“Penso que desta vez o que é diferente é uma abordagem generalizada, sem poupar esforços, sem restrições, para reduzir a segurança do meio ambiente, inclusive para a vida selvagem”, disse Andrew Wetzler, da organização Natural Resources Defense Council.  Os assessores de George W. Bush, acrescentou, escolheram seus alvos de maneira mais seletiva. “Era como um tiro de espingarda. Agora é mais como um fuzil automático.”

Ryan Zinke, secretário do Interior, fez do seu escritório um altar para a matança sem sentido de animais, decorando-o com um urso pardo, um lince e cabeças de bisões e alces empalhados.  Uma de suas primeiras ações no cargo foi sancionar o uso de balas de chumbo em parques nacionais, um triunfo da “ignorância e estupidez”, na opinião de Noah Greenwald, da organização Center for Biological Diversity.  “Ao usar munição de chumbo para a caça, se você levar este alimento para casa, envenenará sua família,” disse Greenwald. “Para mim é espantoso que isto ainda seja um problema.” A sociedade Humane Society estima que as balas de chumbo causem da mesma forma a morte de 10 a 20 milhões de animais não-alvos a cada ano.

No entanto, o secretário de Zinke, David Bernhardt, que provavelmente o sucederá quando ele sair ao final do mandato, parece ser o arquiteto do mais sinistro trabalho do departamento.  Bernhardt foi Procurador-Geral durante os três últimos anos da administração de George W. Bush, e, reconhecidamente, sabe melhor que ninguém de lá como pilotar a burocracia com eficácia. Durante os anos de Obama, ele trabalhou como lobista para uma empresa que representa os interesses de companhias de gás e óleo, o que levou os democratas a denominá-lo “um conflito de interesses ambulante” ao vê-lo na audiência de confirmação no último ano.

Sob a liderança de Bernhardt, o departamento fez mudanças enormes na maior legislação ambiental dos EUA, a Lei de Espécies Ameaçadas, desde sua promulgação em 1973.  Ele agiu para recuar na proteção de muitas espécies “ameaçadas”, isto é, espécies cujos números estão diminuindo, mas que não estão em risco iminente de extinção. Ele disse que os custos econômicos deveriam ser levados em conta sempre que uma espécie fosse considerada para receber o status de ameaçada, e, como na administração de Bush, tem ignorado petições para que inclua novos animais nesta relação, como o glutão americano, cujos números Greenwald diz terem diminuído a níveis populacionais críticos. Também eliminou alguns programas menores de conservação, como o projeto de criação do grou-americano, das quais restam apenas 500 no ambiente selvagem da América do Norte.

As companhias petrolíferas não são os únicos grupos que não gostam da Lei de Espécies Ameaçadas. Ela também é um incômodo para os caçadores de safaris.  Embora Trump tenha chamado a caça de troféus de um “show de horrores”, não parecia que falava com o coração, afinal, seus próprios filhos são ávidos por safaris e já publicaram fotos de si mesmos com leopardos, touros, carneiros e jacarés nas mídias sociais. Trump não impediu que Zinke revertesse a proibição da importação de carcaças de elefantes e leões da África. O Departamento de Interior também tentou pôr em marcha a primeira caçada aos ursos pardos no parque Yellowstone em mais de 40 anos, apenas para tê-la impedida por ordem judicial. Enquanto isto, o “conselho de conservação da vida selvagem” de Zinke, cujos membros não são conservacionistas, naturalmente, mas lobistas de empresas de armas e caçadores de troféus, está tentando provar o improvável: que safaris são de alguma forma bons para os animais.

Com uma face menos horrenda, porém mais destrutiva no geral, há a liberação pela administração de habitats de animais para perfuração, mineração, desmatamento e outros usos industriais.  Por exemplo, ela anunciou planos de retirar a proteção da perdiz-sábio, um pássaro desajeitado com um peito estufado e uma cauda como a de pavão, nativo do oeste dos EUA. Há apenas de 200.000 a 500.000 destas criaturas, disse Sarah Greenberger, diretora de política da organização Audubon Society.  Atualmente, cerca de 9 milhões de acres de terras no oeste, ricas em depósitos petrolíferos, têm sido mantidos fora do alcance das indústrias, para a proteção dos pássaros.

O Departamento do Interior também reduziu o tamanho de dois monumentos nacionais no estado de Utah, Bears Ears e Grand Staircase-Escalante, de modo que mais dois milhões de acres podem agora ser arrendados a empresas de óleo e gás, pondo em perigo inúmeros animais, inclusive alguns que estão em risco de extinção. E está trabalhando para abrir o refúgio Arctic National Wildlife Refuge no Alasca, provavelmente o local com a maior reserva inexplorada de petróleo na América do Norte, mas também lar de 800 a 900 ursos polares, para não falar do porco-espinho caribu e outras espécies, das quais os nativos dependem para sua sobrevivência.

Para Greenberger e outros ativistas dos direitos das aves, o procedimento mais irritante é o abandono das multas por arriscar deliberadamente a vida dos pássaros no ambiente selvagem.  Greenberger disse que a Lei do Tratado das Aves Migratórias, em vigor desde 1918, é responsável por todas as medidas protetivas no país. Ela é a razão das companhias colocarem luzes piscantes em suas torres e redes sobre poços de óleo:  para que as aves não voem sobre eles e morram, o que resulta em multas. Mas, na primavera, o Departamento do Interior anunciou que as empresas não serão mais responsabilizadas, desde que a matança dos pássaros não seja seu objetivo primário.

Para esclarecer, o departamento enviou um memorando com alguns exemplos grotescos.  Digamos, por exemplo, que alguém deseje queimar um celeiro que está cheio de corujas.  Desde que a morte das corujas seja apenas um dano colateral e não o propósito ao se colocar a fazenda em chamas, ele não estará sujeito a multas. “Tudo que é relevante”, diz o memorando, “é que a ação do proprietário não tinha como objetivo a matança das corujas”, uma conclusão desconcertante do ponto de vista da teoria legal apenas.

Greenberger chamou esta mudança de regra de “totalmente desnecessária”, mesmo para o crescimento econômico. “Não é a Lei do Tratado das Aves Migratórias que está causando os altos e baixos no mercado de gás e óleo”, disse ela.  Mas assinalou que duas companhias petrolíferas, Exxon Valdez e Deepwater Horizon, tinham recebido uma vasta maioria das multas, e sem dúvida estavam ansiosas para ter a regra revertida.

Além destas medidas amplas contra o meio ambiente, o descaso para com os animais também afetou o USDA (Departamento de Agricultura) de Trump. A administração de Obama havia criado uma lei, que entraria em vigor em 2017, aumentando os requerimentos para uma fazenda ser considerada orgânica.  Ela estabelecia que aves deveriam ser mantidas em gaiolas grandes o suficiente para que os animais pudessem se mover livremente e abrir suas asas, e que as vacas deveriam ter acesso ao campo aberto durante todo o ano. É claro, estas regras atingiriam as grandes granjas, algumas das quais mantêm até três galinhas por 30,5 cm2. A administração Trump bloqueou-a na primavera.

Muitas vezes durante o curso desta administração, os liberais se confortaram com o pensamento de que um exército de burocratas, funcionários de carreira, sem filiação partidária, poderia ser capaz de conter em silêncio os piores excessos de Trump e seus assessores.  Greenwald, defensor da organização Center for Biological Diversity, disse que decididamente este não é o caso quando se trata de direitos animais e conservação. Nos seus vinte anos de trabalho com política, ele notou que os republicanos tendem a ser mais estratégicos que os democratas em assuntos ambientais. Eles tendem a selecionar seus próprios administradores, até o nível estadual, para assegurar que suas prioridades sejam levadas a cabo em todos os lugares. “Com Clinton e Obama foi assim: Vamos deixá-los sozinhos. Não vamos interferir com seus trabalhos e sua ciência, mas também não vamos interferir e trazer novas lideranças”, ele disse. “Tem sido difícil de assistir.”

As pesquisas corroboram isto: quando questionados pela Union of Concerned Scientists, os funcionários do Serviço de Pesca e Vida Selvagem tendem a relatar uma taxa mais alta que os demais de reclamações de que a política atravessa o caminho de seu trabalho.

A guerra sorrateira de Trump à vida selvagem não foi detectada. É difícil ser perturbado pela morte gratuita de, digamos, 200.000 perdizes-sábios.  Porém Greenberger argumenta que todos têm interesse no que acontece com a perdiz-sábio. “Elas são um indicador de uma paisagem muito maior, onde há antilocapras e veado-mula e outras espécies icônicas”, disse ela. “Se permitirmos que estas aves sejam extintas, isto é um sinal de algo muito maior que irá impactar em todos nós.”

Por Nick Tabor / Tradução de Sônia Zainko

Fonte: Intelligencer

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