Mais de 300 animais marinhos foram afetados por equipamentos de pesca no litoral de SP; FOTOS
Mais de 300 animais marinhos recolhidos e resgatados nas praias da Baixada Santista e do Vale do Ribeira, regiões de São Paulo, de janeiro a dezembro de 2020, apresentavam alguma evidência de interação com a pesca, segundo dados levantados com institutos responsáveis pelo monitoramento do litoral paulista. Alguns animais chegaram a perder membros devido a petrechos pesqueiros, e outros, segundo exames necroscópicos, morreram por causa dessa prática.
De acordo com o Instituto Biopesca, entre 1º de janeiro e 6 de dezembro, a instituição realizou 480 necropsias de animais marinhos recolhidos ou resgatados. Desse total, 170 apresentavam alguma evidência de interação com a pesca, como uma marca na pele ou um pedaço de rede preso ao corpo, por exemplo.
Apesar disso, o instituto diz que não é possível correlacionar a causa da morte com essa interação, já que essa afirmação depende de exames histopatológicos (dos tecidos) para o diagnóstico final, muitas vezes comprometido porque os animais já estão em avançado estado de decomposição quando encontrados.
Em 2020, o destaque para a espécie mais afetada por essa interação foi para os pinguins – muitos foram recolhidos com essas evidências, além das toninhas e tartarugas-verdes, que já são mais recorrentes. O número total é subestimado, pois alguns animais em avançado estágio de decomposição, segundo o Biopesca, não foram analisados em decorrência da escala de trabalho determinada em razão da pandemia da Covid-19.
Pesca artesanal
No trabalho de monitoramento da pesca artesanal, realizado no âmbito do projeto ‘Aspectos socioeconômicos da pesca e de capturas acidentais: uma avaliação em prol da gestão integrada e conservação da toninha na área de manejo II’, o Biopesca aponta que, entre janeiro e o início de dezembro, o instituto registrou a captura acidental de 27 animais marinhos por redes de pesca em Praia Grande e Mongaguá.
Dentre esses 27 animais, estão cinco toninhas (Pontoporia blainvillei); um boto-cinza (Sotalia guianensis); dez tartarugas-verdes (Chelonia mydas); três tartarugas-cabeçudas (Caretta caretta); uma tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea); uma tartaruga-oliva (Lepidochelys olivacea) e seis pinguins (Spheniscus magellanicus).
O Biopesca participa do Projeto de Conservação da Toninha, uma iniciativa do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), coordenado pela Associação MarBrasil e executado por diferentes instituições. A Área de Manejo II abrange São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Entre as atividades realizadas nesses estados, está a estimativa da deriva de carcaças e encalhe de toninhas. Estudos realizados entre 2008 e 2009 apontam para uma expressiva redução no número de toninhas nessa área. Segundo o instituto, estima-se que, de 6.200 indivíduos no início dos anos 2000, mais de 1.100 teriam morrido em decorrência da pescaria de emalhe.
Perda de membro
Um dos casos mais recentes de animal afetado pela interação pesqueira é o de uma tartaruga-cabeçuda resgatada em novembro. Ela foi levada à Unidade de Estabilização (UE) do Biopesca para receber cuidados, depois de ser encontrada presa a um equipamento de pesca chamado atrator fixo, que encalhou em uma praia de Peruíbe.
O atrator fixo de pesca é um equipamento ancorado em uma poita colocada no fundo do mar, e de onde partem diferentes materiais para atrair os peixes. O atrator no qual a tartaruga ficou presa consistia em uma pequena balsa, com cabos e linhas de pesca provavelmente equipados com anzóis. Acredita-se que o equipamento encalhou na praia depois de soltar-se da poita por algum motivo, como fortes ventos.
Conforme o Biopesca, o estado da tartaruga era crítico, já que sua nadadeira esquerda foi amputada, provavelmente porque o membro ficou apertado tempo suficiente para ser separado do corpo. Ela foi resgatada após o acionamento de moradores e estava extremamente debilitada. Mas, recebeu os cuidados veterinários adequados e já consegue se alimentar, nadar e mergulhar.
Vulneráveis
Conforme o Instituto Gremar, os animais marinhos são vulneráveis à mortalidade por petrechos de pesca em diversas situações, como, por exemplo, o curto período entre o anzol deixar o barco e afundar, além da profundidade de mergulho e durante a alimentação. Eles também podem ser fisgados e potencialmente feridos durante o recolhimento da linha, além do fato de as iscas e petrechos descartados incorretamente também atraírem o animal, gerando uma interação prejudicial.
De janeiro até a primeira semana de dezembro de 2020, o Gremar registrou o óbito de 138 animais (aves, mamíferos e tartarugas) por interação com petrechos de pesca nas praias de Guarujá, Santos, São Vicente e Bertioga, conforme dados do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS).
Destes, 76 foram identificados por meio de necropsias realizadas em monitoramento de campo – animais já encontrados mortos e/ou com avançado estado de decomposição –, e 62 foram feitas no Centro de Reabilitação e Despetrolização de Animais Marinhos, em casos de óbitos recém-ocorridos em campo ou logo após o resgate.
Dois dos casos mais recentes foram o óbito de um biguá (Nannopterum brasilianus), que chegou a regurgitar o petrecho de pesca no dia 21 de outubro; e um gaivotão (Larus dominicanus), que também não resistiu ao ingerir um anzol. A ave foi resgatada no dia 28 de outubro, após o acionamento de um munícipe na Praia do Perequê, em Guarujá.
Vale do Ribeira
O Instituto de Pesquisas de Cananéia (IPeC), que atua na região do Vale do Ribeira, informou que a maioria dos animais recolhidos ou resgatados com sinais de interação com a pesca é avaliada como ‘Grau 2’. Isso significa que, apesar de esses animais apresentarem marcas relacionadas a artefatos pesqueiros, não é possível comprovar que essa interação tenha sido responsável pela morte deles.
A única interação de ‘Grau 3’ registrada pela instituição é a de um pinguim emalhado (veja foto acima). Mesmo assim, o IPeC aponta que não tem como afirmar que o animal morreu por causa da rede, já que existem algumas possibilidades que podem ocorrer nesses casos. Por exemplo, o animal pode morrer em alto mar e ficar preso em redes de pesca, ou já estar doente, o que o torna mais suscetível ao emalhe acidental.
Monitoramento das praias
Os institutos Biopesca, Gremar e o Instituto de Pesquisas de Cananéia são instituições executoras do Projeto de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos (PMP-BS), uma atividade desenvolvida para o atendimento de condicionante do licenciamento ambiental federal das atividades da Petrobras de produção e escoamento de petróleo e gás natural na Bacia de Santos, conduzido pelo Ibama.
Esse projeto tem como objetivo avaliar possíveis impactos das atividades de produção e escoamento de petróleo sobre as aves, tartarugas e mamíferos marinhos, por meio do monitoramento das praias e do atendimento veterinário aos animais vivos e necropsia dos animais encontrados mortos. O projeto é realizado desde Laguna (SC) até Saquarema (RJ), sendo dividido em 15 trechos.
O Instituto Biopesca monitora o Trecho 8, compreendido entre Peruíbe e Praia Grande. O IPeC realiza o monitoramento das praias entre Cananéia e Iguape, enquanto o Gremar monitora o Trecho 9, entre São Vicente e Bertioga.
Confira abaixo os telefones para acionar cada um desses institutos, caso encontre algum animal marinho encalhado, vivo ou morto, nas praias das respectivas regiões de monitoramento:
- IPeC: 0800-642334
- Biopesca: 0800-6423341 (horário comercial) ou (13) 99601-2570 (WhatsApp e chamada a cobrar)
- Gremar: 0800-6423341 ou (13) 99711-4120
Por Isabella Lima
Fonte: G1