Bois, meninos e mulheres punidos por sofrerem a violência

Por Sônia T. Felipe 

As mulheres, segundo pesquisa induzida feita pelo IPEA, são punidas com o estupro por “usarem pouca roupa”.

Os meninos, segundo afirmou uma autoridade da Igreja Católica, são responsáveis pelo estupro sofrido, porque “seduzem” os padres pedófilos.

Os bois, usados em Santa Catarina para a farra-de-homens-mal-acostumados, são punidos de morte quando tirados das mãos dos facínoras e levados pela polícia para o matadouro. Aqui ninguém consegue inventar uma razão para que eles sejam punidos com a violência da morte. Todo mundo aceita isso sem mais nem menos. Boi pego das mãos dos farristas tem que ser abatido, e pronto! Pronto para quê? Para virar churrasco? Oficialmente, não. Pois nunca se sabe qual a procedência desse animal, e, portanto, sua carne não é confiável…

Se essa é a lógica com a qual muitas pessoas concordam, a lógica que rege a moral machista, sexista e especista, então não deveria ser aplicada a essas mesmas pessoas quando são elas as vítimas de violência? É claro que nenhuma das que defende o estupro, a inocência de padres pedófilos e a morte para os animais, quando ela sofre um ato de violência, quer que a acusemos de ser culpada pelo que lhe aconteceu.

Mas, se houvesse algum fundamento ético na culpabilização das vítimas pela violência dos assaltos que sofrem, então se poderia culpar todas as pessoas de sofrerem um assalto por levarem no bolso ou na bolsa uma carteira, um celular, ou possuírem um carro, uma casa e seus pertences de valor dentro dela. Também, se essa é a lógica que deve ser adotada para justificar uma violência, se a pessoa for assassinada, ela deveria ser culpabilizada por ter estado viva até o momento em que alguém lhe tirou a vida. Um absurdo, não é mesmo? Pois é. E a cabeça das pessoas anda cheia de tais absurdos. Faz tempo.

Pois bem, ou, melhor dizendo, pois mal, os bois são mandados para a morte por terem participado, na condição absoluta de vítimas e não de autores, da farra inventada pelos humanos que acham divertido correr atrás deles, arrancar-lhes a cauda, atormentá-los por horas e dias, forçá-los a entrarem dentro das casas e até mesmo a se atirarem ao mar pelos precipícios, onde, infelizmente, os humanos que os perseguem não acabam caindo junto. Infelizmente.

Num confronto entre a Polícia e os farristas que se armaram para receber o pelotão com pedras e paus, um adolescente morreu baleado. Ainda não se sabe se foi bala da polícia ou bala de bandido que matou o guri para dizer que a polícia vai proteger a vida do boi, mas tira a vida de guris. A perversão moral comendo solta, vale tudo nessa hora para desmoralizar a ação dos policiais que arriscam sua vida para defender a Constituição e as decisões do Supremo Tribunal Federal que baniu a Farra há anos, mas isso não é respeitado pela turba farrista, o que qualifica a ação policial.

O que esse guri estava fazendo ali, numa farra criminosa? Sua família, com certeza, o educou pedindo-lhe que não se envolvesse com drogas nem com tráfico, porque isso é crime.

Mas, quando é crime envolver-se com farras que atormentam, torturam e tiram a vida de um boi, a família, a escola, a igreja e seja lá qual for o coletivo que formata a cabeça das crianças, silenciam.

Então, adolescentes não devem ir às bocas de fumo, porque isso é crime. Mas adolescentes devem ir às farras contra os bois, porque isso é tradição? Não. Não devem. Farra contra bois não é tradição. É traição aos bois. É cultura de criminosos. Sim. A Farra-do-boi também é crime, como é crime aprisionar, torturar ou matar qualquer animal para se divertir. Portanto, associar-se para a prática de crime, combinando exatamente o local, a hora e o modus operandi, é formação de quadrilha.

Não importa se um bairro inteiro, uma cidade inteira tomam parte nisso. A cidade inteira forma então uma quadrilha para violar a lei, para zombar da Constituição do país que criminaliza essa prática.

A Farra não é do boi. É um crime praticado contra um ser que não pode se defender. Ao contrário do ser humano morto tão jovem, talvez com a idade proporcional à do boi contra o qual praticava a violência, pelo qual tem muita gente compassiva a lamentar sua morte, e com razão, o animal tem apenas os defensores da vida dele para lamentar que foi poupado da farra dos sanguinários para ser apunhalado na câmara de sangria de um abatedouro.

A vida do adolescente foi perdida porque ele buscou participar de um ato criminoso. Todos os demais estão vivos e soltos. E o boi, que não teve responsabilidade alguma pela invenção da farra, tem a sua vida igualmente ceifada porque, pela lógica da força no lugar da inteligência, sensibilidade e ética, o destino de um bovino culpado de participar de uma farra dessas deve ser o abatedouro.

Que tal preservar vivo cada animal salvo da farra, guardá-lo em um santuário como prova documental dos atos bárbaros que os humanos inventaram praticar contra ele? Guardar com ele, vivo, os registros e fotos da ação de todos os que lutaram para impedir que ele fosse exterminado pela farra?

Dois erros não fazem um acerto, CIDASC ! Sabemos que junto com a Polícia Militar, a Polícia Civil e muitas ONG’s, todos os anos essa luta se repete, para resguardar o respeito pela Constituição Brasileira, e, principalmente, poupar de uma morte atroz o único indivíduo inocente.

Mas todos os anos o único ser punido por participar da farra, na condição de vítima e não de agente dela, é o boi capturado das mãos dos farristas e enviado para o matadouro. Não conheço um caso sequer de humano atrás das grades por conta de ter organizado, financiado e realizado uma farra. Os humanos saem livres após assinar Termo Circunstanciado. Livres para praticarem o mesmo crime no ano seguinte ou mesmo nas semanas seguintes. E o infeliz do boi, libertado dos facínoras, vai no caminhão receber o que lhe destinam: a morte. Isso tem que ser repensado.


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Olhar Animal – www.olharanimal.org


 

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