Entidades se unem pelo fim da vaquejada: ‘não cultura, é tortura’

Entidades se unem pelo fim da vaquejada: ‘não cultura, é tortura’
Foto: Divulgação

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5728/DF) que questiona a Emenda Constitucional (EC) 96/2017, que ficou conhecida como a PEC da Vaquejada e considera como não cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais.

Entidades que lutam pelos direitos dos animais em todo o país pedem que a emenda seja declarada inconstitucional, pois a prática da vaquejada é extremamente cruel com os animais, inclusive conforme julgados anteriores no STF. Para assinar o Manifesto Contra a Vaquejada clique aqui!

Confira o manifesto contra a Vaquejada:

Na iminência do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5728, que questiona a Emenda Constitucional (EC) nº 96/2017, conhecida como a EC da vaquejada, as entidades abaixo subscritas vêm se manifestar:

CONSIDERANDO que o STF já declarou a vaquejada uma prática inconstitucional, quando da análise da ADI nº 4983, que reconheceu a inconstitucionalidade da Lei nº 15.299/2013, do Estado do Ceará.

CONSIDERANDO que o STF já reconheceu que a vaquejada é uma atividade que submete os animais não humanos a tratamento violento e cruel, sendo, portanto, incompatível com a ordem constitucional – arts. 1º, III (princípio da dignidade da pessoa humana), 3º, IV (bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação, como objetivo fundamental da República) e 225, § 1º, VII (princípio da dignidade animal e regra da vedação da crueldade), da Constituição da República.

CONSIDERANDO que a EC nº 96, ao admitir práticas desportivas cruéis que utilizem animais não humanos, desde que sejam consideradas “manifestações culturais”, ataca o cerne das normas constitucionais de proteção ao meio ambiente, que impõe ao poder público a proteção da fauna e da flora e veda práticas que submetam animais a crueldade (art. 225, § 1º).

CONSIDERANDO que a EC nº 96 viola o Princípio da Proibição de Retrocesso, conforme vasta jurisprudência do STF, ao longo dos anos, determinando a preservação e a garantia de um conjunto de proteções ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, incluindo-se a proteção aos animais.

CONSIDERANDO que a tentativa de abolir os princípios essenciais do texto constitucional deve ser rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal e que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui direito humano de terceira geração, de titularidade coletiva, consagrado nos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais.

CONSIDERANDO que a prática atual da vaquejada não guarda nenhuma relação com a tradição original, quando eram eventos realizados após a separação do gado solto no campo, tendo se descaracterizado de tal forma que hoje não passa de mero evento competitivo, com fito empresarial e lucrativo, baseado na exploração lesiva de animais não humanos. Da tradição original, restou apenas a técnica de puxar o rabo do bovino para derrubá-lo de forma violenta.

CONSIDERANDO que não há possibilidade de realizar vaquejada sem maus tratos intensos e sofrimento profundo aos animais não humanos, pois, com o objetivo de derrubar o boi, o competidor deve torcer a cauda com firmeza e puxá-la. Isso acarreta luxação das vértebras, lesões musculares, ruptura de ligamentos e vasos sanguíneos e, não raro, pode até mesmo comprometer a medula espinhal, no caso de rompimento da conexão entre a cauda e o tronco. O impacto da queda pode causar traumatismos graves da coluna vertebral, causando paralisia e fraturas ósseas.

CONSIDERANDO que determinadas práticas, ainda que antigas – o que não é o caso da atual vaquejada -, podem e devem ser abolidas, em virtude de concepções atualizadas de direitos.

CONSIDERANDO que a prática de vaquejada, ainda que uma atividade lucrativa para o empresariado, é incompatível com os preceitos constitucionais que obrigam os Poderes e a sociedade a assegurarem um meio ambiente equilibrado e a evitarem desnecessário tratamento cruel de animais não humanos.

CONSIDERANDO que, em evidente desrespeito aos limites materiais da reforma da Constituição, o poder constituinte derivado aprovou uma emenda constitucional (EC nº 96) incompatível com as normas constitucionais vigentes, as quais vedam expressamente tratamento cruel aos animais, tratando-se de um ataque ao núcleo essencial de direitos fundamentais e violando, corolário, o artigo 60, § 4º, IV, da Constituição Federal de 1988.

CONSIDERANDO que a crueldade intrínseca a determinada atividade não desaparece pela mera rotulagem de “manifestação cultural”. A crueldade permanecerá, qualquer que seja o tratamento jurídico atribuído, numa clara violação ao art. 225, § 1º, VII, da Constituição da República.

CONSIDERANDO que não é permitido submeter animais não humanos a práticas cruéis e violentas, conforme jurisprudência firmada pelo STF, as manifestações culturais e esportivas devem se pautar pelo direito fundamental a um ambiente ecologicamente equilibrado, com proteção à integridade física e à vida dos animais não humanos.

CONSIDERANDO que não há regulamentação possível capaz de tornar a vaquejada uma prática menos lesiva aos animais não humanos, e que a presença de um juiz de bem-estar animal é meramente figurativa, posto que muitas lesões musculares e articulares somente serão evidenciadas horas depois ou mesmo no outro dia.

CONSIDERANDO que, além dos danos físicos, o sofrimento psicológico é inegável na vaquejada, fruto da perseguição e subjugação do animal não humano.

CONSIDERANDO as disposições da Declaração Universal dos Direitos dos Animais (DUDA), proclamada na sede da Unesco, em Bruxelas, Bélgica, em 27 de janeiro de 1978, sobretudo os artigos 2º (direito dos animais não humanos ao respeito), 3º (proibição de maus tratos e atos cruéis contra animais não humanos) e 10 (“Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem”, sob pena de violação à dignidade animal).

CONSIDERANDO que, a partir de 2012, a ciência reconheceu cabalmente que animais não humanos são seres dotados da consciência, com a publicação da Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos, é inadmissível o tratamento cruel e violento contra animais não humanos. O documento foi elaborado por um proeminente grupo internacional de neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas computacionais cognitivos, inclusive Stephen Hawking.

CONSIDERANDO que a Declaração de Curitiba (2014), concluiu que “os animais não humanos não são objetos. Eles são seres sencientes. Consequentemente, não devem ser tratados como coisas”, ao final do III Congresso Brasileiro de Bioética e Bem-estar Animal, realizado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária em parceria com a Universidade Federal do Paraná.

CONSIDERANDO que a Declaração de Toulon (2019) declarou que “de uma maneira universal, os animais devem ser considerados tal como pessoas, e não coisas”, ao final do seminário “A personalidade juridique do animal”, realizado pela Faculdade de Direito da Universidade de Toulon (França).

ROGAMOS ao STF que mantenha seu posicionamento original sobre a vaquejada e demais atividades afins, e declare a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 96/2017 por meio do provimento da ADI nº 5728.

Brasília-DF, outubro de 2020.

Por Suelen Morales 

Fonte: EnfoqueMS

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