Há como fazer santuários onde orcas e belugas possam se retirar do cativeiro?

Há como fazer santuários onde orcas e belugas possam se retirar do cativeiro?

Existem santuários para muitas espécies animais. De um modo geral, um santuário de animais é um lugar onde os animais estão sendo “aposentados” depois de viverem em zoológicos ou circos. É um lugar onde eles podem viver protegidos pelo resto de suas vidas. Para algumas espécies, esse conceito não é novidade. Para os cetáceos, no entanto, este é um território relativamente novo. Devido ao caso de Kiska postado ontem, decidimos explorar os santuários de baleias, por que eles são importantes e discutimos dois santuários em particular.

De Keiko aos golfinhos coreanos

Tentativas de devolver os cetáceos à natureza não são novidade. Você deve se lembrar de Keiko, a estrela de cinema da franquia “Free Willy”. Keiko foi capturada na costa da Islândia em 1979 e treinada para se apresentar em parques temáticos. Depois do sucesso do filme ela foi comprada por um parque temático da Cidade do México, onde passou vários anos.

Muitos anos depois, em 1998, ela teve a chance de retornar às águas de sua casa, na Islândia, para viver em um cercado marinho. Após 3 anos ali, os zeladores começaram a deixar que ela se aventurasse no mar aberto sempre acompanhada e monitorada por um barco. Ela sempre voltava para o seu curral. Até que um dia, em 2002, ela mergulhou fundo e não voltou.

Dias depois ela apareceu em uma enseada profunda na Noruega e foi encontrada brincando com crianças e pescadores, ou seja, Keiko preferia os humanos do que se juntar a um grupo selvagem. Ela morreu alguns meses depois de pneumonia aguda e muito provavelmente de fome, segundo um estudo, que analisou sua carcaça. Este primeiro projeto mostrou como é incrivelmente desafiador ensinar um animal cativo a ser “selvagem” novamente.

Uma história mais bem-sucedida foi a soltura de golfinhos-nariz-de-garrafa na Coréia. Em 2009, pescadores furtivos roubaram onze golfinhos-nariz-de-garrafa que viviam ao redor das Ilhas Jeju. Eles então venderam os golfinhos para o parque temático Pacific Land de Jeju. Apenas cinco dos onze golfinhos sobreviveram. Após protestos públicos em 2013, a Suprema Corte decidiu a favor da libertação dos golfinhos cativos do parque e mandou prender por 8 meses dois de seus diretores e tiveram que pagar uma multa de mais ou menos 50 mil reais.

Infelizmente 3 golfinhos não resistiram a provação e morreram. As duas fêmeas restantes e mais um terceiro confiscado do Grande Zoológico de Seul voltaram a nadar livremente naquele mesmo ano. As duas golfinhas já tiveram 3 filhos desde então.

Seja como for, há uma variedade de razões pelas quais um indivíduo pode não ser adequado para a soltura. Embora os cetáceos ainda estejam sendo levados da natureza para parques marinhos, muitos indivíduos em cativeiro hoje nasceram em cativeiro. Isso significa que não há grupo social para eles voltarem na natureza.

Os cetáceos também precisam aprender muitos comportamentos, por exemplo, a caça, por vários anos com suas mães e outros membros da família. No cativeiro, eles não tiveram a chance de aprender habilidades cruciais de sobrevivência.

No caso das orcas, existem muitos híbridos de diferentes ecótipos em cativeiro. Seus pais nunca teriam se encontrado e se reproduzido na natureza. É por isso que os santuários de cetáceos à beira-mar são tão importantes.

Especialmente desde o documentário “Blackfish – Fúria Animal” de 2013 (na íntegra logo abaixo), manter cetáceos em cativeiro para entretenimento tornou-se mais controverso. Pelo menos na América e Europa, a atitude do público mudou.

A complicação adjacente é que não há para onde levar esses animais. É aí que entram os santuários à beira-mar. Eles oferecem a possibilidade desses animais viverem em seu habitat natural pelo resto de suas vidas, mas contidos e alimentados.

O Santuário de Beluga Sea Life Trust na Islândia

O primeiro santuário de águas abertas do mundo para cetáceos é o Sea Life Trust em Vestmannaeyjar, nas Ilhas Westman, no sul da Islândia. Seus habitantes, duas belugas, fixaram residência em 2019. Colaborando com a ONG Conservação de Baleias e Golfinhos (CBG), o Sea Life anunciou publicamente seus planos pela primeira vez em 2018.

Estima-se que as belugas fêmeas Little Grey e Little White tenham nascido em 2006 ou 2007. Quando tinham provavelmente menos de um ano de idade, foram capturadas no mar de Okhotsk, na costa russa. Primeiro, elas foram levadas para uma instalação de pesquisa russa. Ficaram ali até que o parque Changfeng as adquirisse em 2011.

O destino de Little Grey e Little White mudou em 2012, quando a Merlin Entertainments comprou o parque. A empresa de entretenimento britânica é a controladora de lugares como Legoland, Madame Tussauds, Sea Life e muito mais. A Merlin e a Sea Life têm uma política de longa data contra a exibição pública de cetáceos em suas instalações. Foi assim que começou a busca por um local adequado para aposentar as duas belugas.

Eventualmente, uma pequena enseada em um arquipélago na costa sul da Islândia ganhou o primeiro lugar: baía de Klettsvík. Este nome pode tocar um sino para os entusiastas das orcas. É o mesmo lugar onde o curral de Keiko estava localizado até sua libertação.

Klettsvík é uma pequena enseada natural na entrada do porto de Heimaey. É a maior e principal ilha de Vestmannaeyjar, com uma população de aproximadamente 4.500 habitantes. Em contraste com o curral de Keiko, a baía agora é cercada por redes da superfície ao fundo do mar. Uma área de piscina de cuidados permite que a equipe veterinária tenha acesso a Little Gray e Little White.

À primeira vista, a localização da baía pode gerar preocupação com o tráfego de embarcações que passam pelo santuário. Situada na entrada do porto, havia preocupação com a poluição sonora devido à entrada e saída de navios. Para mitigação, existem acordos sobre velocidade e proximidade de passagem das embarcações.

Além disso, Little Gray e Little White receberam treinamento de dessensibilização para habituá-las ao ruído acima e debaixo d’água. Elas também passaram por treinamento de barco, pois a equipe também chegará ao santuário de barco.

O primeiro mergulho de Little Grey e Little White na água do mar

Depois de uma viagem de 9.500 quilômetros ao longo de 30 horas, as duas belugas chegaram à Islândia em 19 de junho de 2019. No início de agosto do ano passado, Little Grey e Little White foram transferidas das instalações terrestres para a área de atendimento à beira da baía.

Após um período de adaptação, elas puderam nadar no santuário de águas abertas e explorar os arredores pela primeira vez algumas semanas depois. A baia lhes oferece 32.000 m² de espaço e até dez metros de profundidade. Durante o inverno, a dupla beluga permaneceu nas instalações terrestres novamente. No entanto, está planejado movê-las de volta para a área da baía para sempre.

Como o primeiro santuário do gênero, este é um processo de aprendizado do qual possíveis futuros santuários podem se beneficiar para obter conhecimento e otimizar protocolos. A baía de Klettsvík oferece espaço suficiente para até dez belugas e o Sea Life Trust adorariam ver outras belugas se juntando a Little Grey e Little White.

Na natureza, as belugas normalmente vivem em grandes grupos e podem viver de 60 a 70 anos. Dedos cruzados para que essas duas tenham muitas décadas nadando nas águas islandesas pela frente. E esperamos que mais belugas de cativeiro se juntem a elas no futuro.

Projeto Santuário de Baleias

O Projeto Santuário de Baleias visa proporcionar um ambiente mais natural para orcas e belugas em uma grande baía na costa leste canadense. A fundadora e presidente do projeto, Lori Marino, é uma renomada neurocientista. Ela estudou comportamento e inteligência animal por décadas.

Com base em suas pesquisas, ela há anos se mostra ferrenhamente contra a manutenção de cetáceos em cativeiro e, por exemplo, também apareceu no documentário exibido acima. Sylvia Earle e Jean-Michel Cousteau estão entre os muitos consultores do projeto.

Por mais de dois anos, a equipe do projeto visitou e avaliou mais de 130 locais diferentes na costa leste e oeste da América do Norte. No final, uma baía em Port Hilford, Nova Escócia, venceu a corrida como local do santuário. Ele fornecerá às baleias cerca de 110 acres de espaço para vagar e explorar águas de até 18 metros de profundidade.

A criação custará cerca de US$ 12 a US$ 15 milhões, depois mais US$ 2 milhões por ano para cuidar de orcas e belugas. Esta parece ser uma quantia considerável de dinheiro; no entanto, para colocar o número em perspectiva, de acordo com Charles Vinick, diretor executivo do projeto, isso ainda é menos do que custaria a um parque marinho construir outro tanque. As despesas dependem principalmente de doações e patrocinadores. Uma forma de apoiar o projeto será “adotando” as baleias, assim como você pode fazer com Little Grey e Little White.

O santuário estará aberto ao público em horários regulares e incluirá um centro de visitantes, trilhas ecológicas e mirantes. Programas educativos sobre as baleias do santuário e suas contrapartes selvagens serão oferecidos a escolas e museus. Câmeras instaladas acima e abaixo da superfície permitirão observações das baleias.

Quem serão os moradores do santuário das baleias?

Candidatos potenciais para o santuário incluem orcas de diferentes parques Sea World e belugas de MarineLand. É possível ler algumas das biografias das baleias no site do projeto do santuário de baleias. O santuário pode ser a última chance para algumas orcas se socializarem novamente após anos de solidão. Por exemplo, Lolita do Miami Seaquarium ou a pobre Kiska do MarineLand tiveram que viver sem companheiros por décadas.

A equipe do projeto está em contato com diversos parques marinhos. Alguns deles assumiram compromissos formais para fechar suas instalações de cetáceos. No entanto, como as informações são confidenciais, o projeto não divulgou quais baleias podem estar na lista.

O Centro de Operações do Santuário abrirá muito em breve em uma pequena cidade chamada Sherbrooke, a cerca de 20 minutos do local do santuário. A partir desta base, serão dados os próximos passos para a conclusão do projeto. Na melhor das hipóteses, a equipe planeja receber as primeiras baleias no final de 2023.

O curta-metragem “Baleias Sem Muros, logo acima, conta a história do projeto. O objetivo é a criação do primeiro santuário à beira-mar da América para baleias aposentadas de parques de entretenimento.

Fim do cativeiro de cetáceos?

Os cetáceos em cativeiro suportaram condições de vida inadequadas durante a maior parte ou toda a sua vida. Ao mesmo tempo, eles entretinham centenas de milhares de pessoas e ganhavam milhões de dólares para seus donos. É hora de deixá-los se aposentar e dar a eles o que merecem: a chance de viver em seu ambiente natural. Isso permitirá que eles vaguem e ecoloquem, experimentem o oceano, o sol, o vento e a textura.

Atualmente, existem mais de 3.000 cetáceos mantidos em centenas de instalações de entretenimento em todo o mundo. No entanto, as marés estão mudando. Na última década, vários países introduziram legislação para proibir a manutenção de cetáceos em cativeiro. Outros países proibiram sua criação.

Essa é uma excelente notícia e mostra como é importante o estabelecimento de santuários à beira-mar. Eles são o próximo passo importante para acabar com o cativeiro. Além disso, os santuários poderão servir como centros de reabilitação para cetáceos encalhados. Este pode ser o caso mesmo quando eles não mantêm nenhum cetáceo cativo aposentado por mais tempo.

Espera-se que os projetos na Islândia e no Canadá encorajem a reabilitação de mais cetáceos cativos em ambientes naturais no futuro. Precisamos de um relacionamento novo e mais respeitoso com a vida selvagem e a natureza se quisermos sobreviver na Terra. Santuários como estes podem ajudar a construir esse relacionamento.

Fonte: Mdig

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