Parlamentares europeus alertam sobre maus-tratos e abandono dos cães usados em caçadas na Espanha

Parlamentares europeus alertam sobre maus-tratos e abandono dos cães usados em caçadas na Espanha
Foto: Associação Protetora de Animais Galgos del Sur

É uma lenda urbana ou realmente os caçadores espanhóis, ou parte deles, abandonam, isso quando não maltratam, os galgos e outros cães de caça quando acaba a temporada de caça? As vozes críticas voltam a aparecer. A última foi no dia 11 de março, por parte do Intergrupo de Bienestar y Conservación de los Animales (WCA) do Parlamento Europeu, que se dirigiu formalmente ao Governo da Espanha e às suas 17 comunidades autônomas (CCAA) para manifestar sua preocupação com o tratamento que os cães usados para caça recebem. Este grupo de parlamentares, a maioria de origem centro-europeia, qualifica estas práticas como um exemplo particularmente grave em um país que permite que 85,6% do território nacional seja terreno de caça, privilegiando assim 1,6% da população que possui licença para caçar.

Em uma carta enviada ao assessor chefe adjunto do primeiro ministro, Iván Redondo, o grupo denuncia que o tratamento que os galgos e outros cães de caça recebem se chocam com os valores europeus e, em concreto, com a condição de seres sencientes reconhecida no artigo 13 do Tratado de Lisboa. Assim, o grupo pede a aprovação de uma lei unificada de proteção animal para todo o território espanhol que contemple normas essenciais sobre a criação, identificação e registro dos animais, multas exemplares e penas privativas de liberdade, assim como controles policiais sistemáticos, além disso, que as caças em Andaluzia deixem de ser Bem de Interesse Cultural. “Nos preocupa especialmente o avanço lento na introdução e implementação das leis de bem-estar animal na Espanha com relação aos galgos e outros cães de caça”, diz Ana Hazekamp, presidente do grupo. 

Guerra de números

O número de abandono ou maus-tratos de cães na Espanha gera uma certa confusão. Para este grupo, a Espanha possui a maior incidência de cães abandonados da União Europeia (180.000 animais resgatados em 2019, conforme os dados da Fundação Affinity). Entretanto, a Federação Espanhola de Caça adverte que esse número também inclui os cães domésticos, que representam a maioria. Na carta, os europarlamentares se queixam dos relatórios como o da Seprona da Guarda Civil, que contempla somente oito galgos abandonados em 2019.

A guarda civil elabora um relatório anual baseado nas denúncias apresentadas. O último relatório público (2019), acrescenta dois enforcamentos de galgos e outros 38 cães de caça abandonados em um total de 1.418 infrações relacionadas nesse ano com maus-tratos de cães de caça. Tais estatísticas refletem que, entre os abandonos de cães na Espanha, 36% são de raças utilizadas para a caça (apesar de que muitos animais não tenham nada a ver com o setor), e em concreto os galgos formam 10%. Os agentes abriram em 2019 um total de 463 denúncias por diferentes maus-tratos a galgos, dos quais 109 foram infrações penais aos que devem ser somados outros 1.157 (144 via penal) de outras raças de cães de caça. A Fundação Affinity cifra o abandono de cães de caça nesse mesmo ano em 11,6% e o partido animalista PACMA eleva a 5.588 os animais resgatados por protetores de animais.

Em cada temporada, são utilizados no país 43.000 cães para caça; destes, cerca de 15.000 galgos estão registrados. Esta raça é muito utilizada para a caça de pequenos animais por suas condições inatas para a velocidade. Mas uma vez finalizada a temporada (em fevereiro), o que se faz com eles? Associações animalistas como Galgos del Sur exigem a proibição legal da caça com cães em campo aberto na Espanha, como ocorre no resto do continente europeu. “Deve-se mudar a legislação porque as penas por abandono ou maus-tratos de animais são muito baixas”, denuncia Javier Luna, cofundador da associação protetora de animais Galgos del Sur, que garante ter resgatado 2.500 cães, na sua maioria galgos, em seus 12 anos de trabalho na província de Córdoba desde sua fundação.

O Intergrupo protetor explica que “a caça de cães em campo aberto, modalidade onde não há intervenção do homem, está proibida por lei por causa da crueldade que ela acarreta, e isso contrasta com as leis e práticas que na Espanha o público impulsiona ativamente, inclusive até ao ponto de conceder subvenções a organizações envolvidas no fomento da caça com galgos e cães”.

Neste sentido, ressalta que o tratamento dos cães de caça na Espanha está em contradição com os valores europeus e não se encontra justificativa nenhuma para a diferenciação na proteção outorgada aos animais de companhia em relação à que é dada para os galgos e outros cães de caça, considerados animais de trabalho”. Manuel Gallardo, presidente da Federação Espanhola de Caça, diz o contrário: “Caçar sem cachorro não seria feito facilmente, porque se desaparecer o cão, desaparece a caça”. 

Campo Aberto

Com mais de 335.000 licenças e a representação de mais de um milhão de caçadores na Espanha, a Federação Espanhola de Caça reagiu às queixas europeias e respondeu em uma carta dirigida ao presidente do Parlamento Europeu, David-Maria Sassoli, onde envia uma queixa formal e exige uma retificação das declarações dos membros do WCA por falta de rigor e respeito para com milhões de caçadores europeus que desenvolvem uma atividade legítima, legal e de grande valor ambiental, social, cultural e econômico.

Gallardo garante que recebeu com grande surpresa e mal-estar a carta dos parlamentares europeus, que saem de suas competências com uma óbvia tendência política anticaça para sua deslegitimação, além de basearem-se em dados falsos, não verificados e que atentam contra nossa atividade e nosso setor, como a diferença do número sobre cães abandonados em geral em comparação com o de galgos, o que cria confusão e com uma absoluta falta de rigor. Em sua opinião, a intenção é criminalizar o setor de caça e esta estratégia chegou agora na Europa para que fique cada vez mais difícil caçar.

Em todo caso, Gallardo destaca que se existiu maus-tratos a algum animal na Espanha, sua entidade é a primeira que condena isso e dá um passo à frente para que essas pessoas que cometeram um delito paguem em sua justa proporção, mas considera que a Câmara Europeia não é o lugar para criminalizar gratuita e enganosamente a milhões de espanhóis que não compartilham dos ideais de um grupo de deputados europeus. 

Penas leves

Javier Luna, que também é membro da Junta Diretiva do Partido Animalista PACMA considera que esta denúncia do WCA obriga sem demora a atuação do governo espanhol, porque se trata de casos muito generalizados em um setor que conta com o apoio institucional porque os caçadores são um lobby muito poderoso. Luna coloca como exemplo os dois caçadores de Valladolid que enforcaram e abandonaram dois galgos e um terrier alemão em 2017, e sofreram penas de 4 e 8 meses de prisão. Luna considera que esta denúncia dos parlamentares europeus dará suporte jurídico às teses animalistas: “é o início de uma nova etapa na luta para que estas práticas cruéis e minoritárias como a caça com cães sejam proibidas”, coloca. 

Lei de Bem-Estar Animal

Não se pode esquecer, além disso, que neste contexto, o Ministério de Direitos Sociais e Agenda 2030 tramita nesta legislatura o Projeto de Lei de Bem-Estar Animal, no qual a Federação de Caça quer colocar suas opiniões. “Temo que o governo possa criar outro conflito social como o que ocorreu com a caça ao lobo”, se queixa Manuel Gallardo. Tudo isto, garante, em um país onde “já existem mais animais de companhia do que crianças menores de quinze anos”, adverte de forma incrédula, enquanto se queixa que “vemos mais pessoas passeando com cães do que crianças passeando com seus pais”. E adverte: “Os cães não pensam como as pessoas, não possuem direitos, porque, senão, teriam que ter obrigações, mas infelizmente estamos assistindo à “disneylização” da sociedade”, resume.

Por David Vigario / Tradução de Alice Wehrle Gomide

Fonte: El Mundo


Nota do Olhar Animal: Para justificar a barbárie, caçadores criam falsas analogias como esta, sobre verem mais animais de companhia do que crianças passeando com seus pais. Como se isso validasse o massacre a que submetem cães e os animais caçados. No mais, o que fazem os pais caçadores? Passeiam com seus filhos nas caçadas, ensinado-lhes a desprezar e violar os interesses mais básicos dos animais? Colocando-lhes uma arma na mão? Que exemplo são para seus filhos os pais caçadores?

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