Vitória dos Bichos: mais de três mil castrações em seis anos de atuação

Vitória dos Bichos: mais de três mil castrações em seis anos de atuação

“Minha alegria é ter plantado uma sementinha.” Com essas palavras, a advogada Diane Perinazzo resume sua trajetória pioneira na proteção animal do estado do Tocantins (TO), no Centro-Oeste brasileiro. Presidente da ONG Vitória dos Bichos, entidade sediada no município de Gurupi (TO), ela relata como tudo começou: “em 2011, eu e uma amiga, Crisley, resgatamos uma cachorra de rua que estava bastante debilitada, com a doença do carrapato. Fazia pouco tempo que eu estava na cidade e fiquei surpresa com a quantidade de animais em situação de abandono, muitos deles com Leishmaniose Visceral Canina (LVC)*. Para piorar, não tinha nenhuma política pública para atender os animais da população de baixa renda. Depois daquele primeiro resgate, eu e a minha amiga começamos a receber muitos pedidos de ajuda. Infelizmente, sempre foi inviável atender a todos”, relata.

Diane e a amiga faziam vaquinhas, bazares e outras ações para arrecadar verba e pagar as contas de ração, medicamentos e veterinário, mas nada bastava: “a demanda era muito grande. Além disso, depois de um tempo, começaram as devoluções dos animais doados. Imagine só: você doou um animal e depois de um ano, um ano e meio, o adotante procura você querendo devolver. É um balde de água fria”, constata. “Decidi então fazer um perfil no Facebook para otimizar a arrecadação e desvincular os pedidos de ajuda da minha imagem pessoal”. Nascia assim a ONG Vitória dos Bichos, legalmente criada em 2013.

Àquela altura, Diane já estava convicta de que não bastava resgatar e tentar doar: era preciso atuar na causa do problema. Ou seja, na castração, evitando assim o nascimento de filhotes indesejados.

Mas como fazer isso em uma cidade pequena e sem qualquer histórico de proteção animal? Nas clínicas particulares, uma cirurgia de castração custava em torno de R$ 600,00. Um valor impossível para uma ONG que atendia dezenas de casos anualmente.

“Em 2014, veio para Gurupi o Dr. Fagner Xavier. Um médico veterinário jovem e disposto a ajudar. Ficamos amigos e, num domingo, quando voltávamos de um almoço, eu o convidei para passar comigo em uma colônia de gatos que me angustiava profundamente. Tinha mais de 30 animais por lá, sem cuidados adequados e procriando livremente. Ele se dispôs a castrá-los sem cobrar a mão de obra. Assim, fizemos o primeiro mutirão, que nos inspirou a seguir por esse caminho de uma forma mais consistente”, recorda a protetora.

Depois do Dr. Fagner, também entrou em cena a Dra. Natália Soares, médica veterinária da Universidade Federal do Tocantins. Com profissionais dispostos a castrar, Diane foi à luta para montar uma clínica que também seria a sede da Vitória dos Bichos. “Eu tinha trabalhado em uma empresa do ramo farmacêutico, então conhecia bastante sobre fornecedores, fabricantes e distribuidores”, explica a advogada. “Negociei prazos e preços, explicando sempre o objetivo social do nosso trabalho. Por exemplo: eu comprava a mesa cirúrgica, mas ganhava a calha; comprava um canil, mas conseguia que o segundo fosse doado. Assim, dando um passo por vez, abrimos a clínica e começamos a atender a população a preços de campanha, além de castrar gratuitamente os animais de quem não pudesse pagar.”

Por inexperiência, Diane não havia solicitado autorizações para o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Tocantins (CRMV-TO). “Sofremos fiscalização, mas conseguimos regularizar tudo. Foi um grande orgulho quando a presidente do Conselho fez uma visita à nossa clínica e nos parabenizou pela excelente organização. Fizemos tudo com muito amor e obedecendo as boas práticas”, resume.

Hoje, a Vitória dos Bichos tem um time amplo de voluntários (veja box), e além de Fagner e Natália, conta também com a médica veterinária Ana Carolina. Não dispõe de abrigo, por isso não tem como atender pedidos de resgate, mas não recusa auxílio às pessoas que recolhem animais em situação de risco. “Ajudamos com a castração, com os cuidados veterinários. Enfim, com tudo o que estiver ao nosso alcance”, assegura Diane.

A ONG também foi a primeira do estado do Tocantins a fazer parceira com a Prefeitura: “Conseguimos que fosse aprovada uma Lei que coloca a castração como uma questão de saúde pública e a reconhece como instrumento preferencial na prevenção das zoonoses e da superpopulação de cães e gatos”, informa. “Mas não acho que a gente deva ficar esperando que o Poder Público resolva os problemas. Precisamos que mais centros se formem. Eu falo que plantamos uma sementinha porque, em três municípios próximos a Gurupi, já temos grupos se formando, inspirados no nosso exemplo. Castramos até agora 3.327 animais, com recursos de doações e de eventos, como o nosso famoso bingo. Só em 2019, foram 782 castrações. Juntos, podemos fazer muito mais. Nosso sonho é que, em cada cidade, surja um grupo com essa disposição. Inclusive em Palmas, a capital, onde não tem nenhum grupo de protetores atuando até agora”, conclui Diane.

O time de voluntários, em ordem alfabética: Adriana Lira, Aldaiza Borges, Ana Cristina, Ana Luiza, Camila Oliveira, Cleide Mendes, Daniela Estefani, Dani Faria, Fabíola, Fernando Santana, Karla, Marcia Paixão e Rosangela Araújo.

*Leishmaniose Visceral Canina (LVC): também chamada de “calazar”, trata-se de uma doença causada pelo protozoário Leishmania e transmitida pela picada do flebótomo conhecido como “mosquito-palha” ou “cangalhinha”. Por meio de sua picada, o flebótmo introduz o Leishmania na circulação sanguínea do cão, que se torna um “reservatório” do protozoário. Mas, vale ressaltar, a doença não é transmitida diretamente pelo cão: se outro flebótomo picar o animal infectado e, em seguida, picar uma pessoa ou outro animal, aí sim a doença poderá ser transmitida.

Os sintomas da LVC são: perda de apetite e, consequentemente, muita perda de peso; apatia; fadiga; surgimento de feridas na pele, no focinho, orelhas, articulações e cauda; descamação e perda de pelos; crescimento exagerado das unhas; diarreia com sangue; lesões na região dos olhos.

Por Sílvia Lakatos

Fonte: Olhar Animal

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