Relatório: o aumento do abate de pequenas baleias e golfinhos ameaça o equilíbrio dos oceanos

Relatório: o aumento do abate de pequenas baleias e golfinhos ameaça o equilíbrio dos oceanos

• A matança de pequenas baleias, botos e golfinhos estão aumentando, com mais de 100 000 destes mamíferos marinhos abatidos todos os anos, de acordo com um novo relatório de ONGs alemãs e britânicas.
• Muitas regiões registam um aumento dos abates devido à procura de carne de golfinho para ser usada como alimento humano e como de isca para tubarões em zonas afetadas pela crise econômica e pela diminuição das populações de peixes.
• De acordo com o relatório, o fato de não se resolver essa questão da exploração insustentável dos cetáceos menores, agrava o desequilíbrio ecológico e aumentam os riscos de toxicidade dos metais pesados para os seres humanos que os consomem.
• A ineficiência da legislação e da aplicação da lei, continua a ser um problema crítico, segundo o relatório, que apela à colaboração internacional e ao reforço das medidas de proteção.

AVISO AO LEITOR: Esta história contém imagens de cetáceos mortos que alguns espectadores podem considerar perturbadoras.

Mais de 100 000 golfinhos, botos e pequenas baleias são mortos anualmente, de acordo com uma nova revisão (link: small-cetaceans-report-ii-2024.pdf (prowildlife.de) das ONG alemãs e britânicas Pro Wildlife e Whale and Dolphin Conservation. Esta é uma atualização de uma avaliação de 2018, dos mesmos autores, que revela falhas preocupantes para parar o aumento do abate de pequenos cetáceos.
“A maior parte das pessoas pensa que a caça às baleia e aos golfinhos, pequenas baleias e botos deve ser uma coisa do passado”, disse ao Mongabay Erich Hoyt, co-presidente do Grupo de Trabalho sobre Áreas Protegidas para Mamíferos Marinhos da UICN, que não esteve envolvido na redação do relatório. “Não é.”

Esse relatório, publicado em fevereiro, analisa mais de 230 estudos de investigação, relatórios de ONGs e notícias sobre 58 espécies. O relatório indica que as mortes “estão agora muito acima” das 100 000 estimadas em 2018, com base no aumento das capturas de pequenos cetáceos registadas em 12 países. O número exato de animais mortos é desconhecido porque muitas caçadas são ilegais e não são reportadas, disse Sandra Altherr, cientista chefe da Pro Wildlife e coautora da revisão, ao Mongabay. Ela ainda acrescenta: “O que podemos dizer com certeza é que … algumas populações podem ser dizimadas em apenas alguns anos se a caça não parar”.

Os autores desse relatório assinalam a matança de espécies anteriormente não visadas, em áreas antes não exploradas preocupantemente cada vez maiores, o aumento no uso de golfinhos como isca para a pesca de tubarões e o consumo humano de carne de golfinho. Os pequenos cetáceos – baleias, golfinhos e botos com menos de 4 metros de comprimento – também são deliberadamente alvo de caça para supostos fins medicinais, para eliminar a concorrência sobre a pesca de peixes e até para objetos de adorno e amuletos de amor, de acordo com a revisão.

“Já estivemos perto de eliminar as Baleias Azuis, Francas, Fin, Baleias da Groelândia e Baleias Sei. Continuar a eliminar as baleias menores e os golfinhos seria não só vergonhosamente imprudente como desastroso”, afirmou Hoyt.

Por que precisamos dos Cetáceos?

Os cetáceos ajudam a regular outras espécies marinhas e a manter os ecossistemas oceânicos em equilíbrio. Também prestam outro serviço menos óbvio: Fazem cocô, não aonde se alimentam, mas sim quando sobem à superfície para respirar ou descansar –assim, trazem nutrientes do local onde comeram para o plâncton e outros organismos de superfície que sustentam a teia alimentar marinha. O declínio da população de golfinhos é, portanto, “um sinal de alarme” para o estado dos oceanos, disse Altherr.

O colapso local das populações de golfinhos em todo o mundo tem sido amplamente relatado, geralmente devido à captura acidental em redes de pesca, poluição ou ondas de calor marinhas. Por exemplo, o número de pequenos cetáceos pode ter diminuído 87% no Oceano Índico desde a década de 1980, de acordo com um estudo citado na revisão.

Um homem seca a carne de pequenos cetáceos em São Vicente e Granadinas em 2008. Imagem de Russell Fielding;
Um homem seca a carne de pequenos cetáceos em São Vicente e Granadinas em 2008. Imagem de Russell Fielding;

A revisão aponta para um aumento das capturas de pequenos cetáceos no Brasil, Canadá, Ilhas Faroé, Gana, Gronelândia, Indonésia, Nigéria, Ilhas Salomão, Sri Lanka, São Vicente e Granadinas, Taiwan e Venezuela.

Na África Ocidental e na Ásia, o uso de carne de golfinho como isca para a pesca de tubarões tem aumentado. A carne de cetáceo com gordura é durável em água salgada, o que a torna excelente para a pesca de tubarões, uma vez que se mantém nos anzóis. A análise salienta a troca escalada na utilização oportunista cetáceos acidentalmente enredados em redes de pesca, para uma segmentação ativa e extensiva.

Os governos permitem que as frotas de pesca viajem para mais longe e relizem suas atividades por mais tempo do que seria rentável. A análise também sugere que estas pescarias longínquas caçam pequenos cetáceos em maior quantidade do que se pensava. O estudo cita entrevistas com tripulações de frotas de pesca longínqua de Taiwan e da Coreia do Sul que indicam a caça regular e deliberada de golfinhos para iscas e produção de bugigangas.

Comer cetáceos é uma prática cultural em algumas comunidades indígenas do Canadá, Dinamarca, Ilhas Faroé, Gronelândia, Japão, Noruega e EUA. Na Venezuela, as pessoas que lutam contra uma crise económica devastadora passaram a comer carne de golfinho. Na África Ocidental, esse tipo de carne está preenchendo as lacunas deixadas nas dietas locais devido à sobrepesca. “As pessoas locais passando a comer golfinhos porque o peixe desapareceu”, esclarece Altherr.

Golfinhos-clímene caçados em Gana. Imagem © Conservation and Research of West African Aquatic Mammals (COREWAM).
Golfinhos-clímene caçados em Gana. Imagem © Conservation and Research of West African Aquatic Mammals (COREWAM).

No entanto, comer cetáceos representa um “risco significativo” para os seres humanos, segundo o relatório, uma vez que substâncias tóxicas como o mercúrio se acumulam nos predadores através do consumo ao longo da vida de peixes contaminados por poluentes. Esse estudo também faz referência a investigações de longo prazo sobre problemas de desenvolvimento em crianças das Ilhas Faroé, cujas mães consumiram carne de baleia-piloto durante a gravidez –e clama por testes obrigatórios dos produtos derivados de cetáceos e a melhores directrizes nacionais em matéria de saúde e segurança nos países consumidores.

Apesar da poluição, os pesquisadores aconselharam as comunidades do Ártico a continuarem a comer carne de cetáceos, porque os riscos para a saúde das alternativas são provavelmente piores, de acordo com Russell Fielding, investigador principal do Nippon Foundation Ocean Nexus Center da Universidade de Washington. A investigação de Fielding sobre a toxicidade dos metais pesados nos cetáceos é citada no relatório, embora ele não tenha se envolvido diretamente nele.

Fielding afirmou que a poluição é questão central a resolver se quisermos realmente manter os recursos oceânicos saudáveis.

“A poluição não é aliada de ninguém, e é importante que todos os que se preocupam com o ambiente – baleeiros e protetores de baleias – se unam contra as empresas e os países responsáveis por ela”, e Fielding ainda afirma: “A poluição causa mais danos às baleias do que a caça à elas”.

Relatório: O aumento do abate de pequenas baleias e golfinhos ameaça o equilíbrio dos oceanos

Pequenas Vitórias

O relatório também refere algumas vitórias. O Paquistão, por exemplo, reduziu o número de golfinhos mortos acidentalmente em redes de pesca de atum de 12 000 por ano para 480, através de um projeto da WWF que convenceu os pescadores a utilizarem redes de subsuperfície que dão à megafauna espaço para escapar.

E a população de golfinhos ao largo da ilha de Jeju, na Coreia do Sul, que começou por ser contabilizada em 124 em 2007 e desceu para 105 em 2010, recuperou-se para 210 em 2016. Os pescadores deixavam morrer os golfinhos acidentalmente apanhados nas suas redes, mas a aplicação consistente de multas e penas de prisão convenceu-os a começar a libertar os golfinhos, o que provocou a mudança.

Mas, embora as capturas anuais de pequenos cetáceos no Japão, Malásia e Madagascar tenham diminuído, não é motivo para celebrar, segundo Altherr. A única razão para isso é que os pescadores não encontram tantos cetáceos porque as populações já estão esgotadas, disse ela, e estão agora buscando outras espécies de cetáceos.

Golfinhos de água doce. O colapso local das populações de golfinhos em todo o mundo tem sido amplamente relatado, geralmente devido à captura acidental em artes de pesca, poluição ou ondas de calor marinhas. Imagem © Nicola Hodgins.
Golfinhos de água doce. O colapso local das populações de golfinhos em todo o mundo tem sido amplamente relatado, geralmente devido à captura acidental em artes de pesca, poluição ou ondas de calor marinhas. Imagem © Nicola Hodgins.

Os autores apresentam uma série de Recomendações, incluindo dados de captura mais transparentes, avaliação exaustiva das populações de cetáceos para permitir objectivos de caça cientificamente informados, orientações de saúde pública e sensibilização das comunidades pesqueiras.

Uma legislação mais forte destinada a proteger os cetáceos e melhor aplicação da lei são fundamentais para conter a caça, de acordo com a revisão. Altherr afirmou que a concessão do estatuto de proteção internacional a todos os pequenos cetáceos é o passo mais importante para melhorar a legislação nacional e sua aplicação. O relatório também recomenda especificamente que organismos internacionais como a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES) examinem o comércio transfronteiriço e recolham os dados necessários para formular medidas eficazes. “Quase sempre cabe aos países tomarem ações para que as coisas aconteçam e impor mudanças”, disse Hoyt. Mas precisam de dados para o fazer corretamente.

“Na década de 1970, o mundo assistiu ao colapso das grandes baleias devido à caça industrial delas” relata Altherr. “Se não quisermos que algumas espécies ou populações de pequenos cetáceos sigam esse caminho, os responsáveis pelas decisões e as agências de controle têm de agir agora.”

Relatório: O aumento do abate de pequenas baleias e golfinhos ameaça o equilíbrio dos oceanos
Relatório: O aumento do abate de pequenas baleias e golfinhos ameaça o equilíbrio dos oceanos

Referências:

Gilbert, L., Jeanniard-du-Dot, T., Authier, M., Chouvelon, T., & Spitz, J. (2023). Composition of cetacean communities worldwide shapes their contribution to ocean nutrient cycling. Nature Communications, 14(1), 5823. doi:10.1038/s41467-023-41532-y
Anderson, R. C., Herrera, M., Ilangakoon, A. D., Koya, K. M., Moazzam, M., Mustika, P. L., & Sutaria, D. N. (2020). Cetacean bycatch in Indian Ocean tuna gillnet fisheries. Endangered Species Research, 41, 39-53. doi:10.3354/esr01008

Por Elizabeth Fitt / Tradução de Mariana Aprile Bittencourt

Fonte: Mongabay


Nota do Olhar Animal: Enquanto a preocupação maior for o “equilíbrio” e não os interesses próprios dos indivíduos animais, todos eles permanecerão em risco.