STJ ‘destranca’ recurso e julgará prova que em 2011 deixou bezerro tetraplégico em Barretos, SP

STJ ‘destranca’ recurso e julgará prova que em 2011 deixou bezerro tetraplégico em Barretos, SP
Bezerro é retirado da arena após o peão deixá-lo tetraplégico. Filhote teve que ser eutanasiado.

No último dia 25 de novembro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) conheceu o agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP), convertendo-o em recurso especial no processo em que o MPSP pede o banimento da prova bulldogging do mais conhecido rodeio do país, a Festa do Peão de Barretos, no interior de SP.

Após o recurso do MPSP ter sido “trancado” pelo Tribunal de Justiça de São Paulo sob a alegação de que sua decisão não infringia lei federal e que, portanto, não deveria ser julgado por tribunal superior, o MPSP peticionou o agravo em recurso especial. O Ministério Público Federal (MPF) então emitiu parecer não só se manifestando pelo reconhecimento do agravo, mas também se posicionando de forma muito positiva sobre o mérito do recurso especial. Em seu parecer, cita importante declaração favorável aos interesses dos animais feita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso em outro processo:

“…Nas palavras do douto Ministro Luis Roberto Barroso, a vedação da crueldade contra animais na Constituição Federal e no âmbito infraconstitucional, deve ser considerada uma norma autônoma, de modo que sua proteção não se dê unicamente em razão de uma função ecológica ou preservacionista, e a fim de que os animais não sejam reduzidos à mera condição de elementos do meio ambiente. Só assim conheceremos a essa vedação o valor eminentemente moral que o constituinte lhe conferiu ao propô-la em benefício dos animais sencientes. Esse valor moral está na declaração de que o sofrimento animal importa por si só, independentemente do equilíbrio do meio ambiente, da sua função ecológica ou de sua importância para a preservação de sua espécie…”

Sobre a citação acima, a advogada Fernanda Tripode, que denunciou a violência e crueldade da prova de bulldogging em 2011, comentou: “Nós que defendemos os animais como indivíduos sencientes e não como bens ambientais sabemos que é muito importante magistrados proferirem decisões com esses entendimentos, gerando precedentes a fim de que os seres não humanos sejam tratados como indivíduos sencientes e não como meros bens ambientais. Os animais fazem parte do meio ambiente tanto quanto os humanos.”

Finalmente, a ministra relatora Regina Helena Costa decidiu pelo julgamento do caso pelo STJ. O processo pode ser acompanhado neste LINK.

O que é o bulldogging

Bulldogging é uma prova de rodeio em que o objetivo do peão é derrubar ao chão e imobilizar um bezerro no menor tempo possível e em que, para isso, o competidor torce bruscamente o pescoço do filhote. Esta torção e a derrubada podem, entre outros danos, provocar lesões na coluna cervical do filhote, como a que ocorreu na Festa do Peão de Barretos e resultou na eutanásia do animal.

Iniciativa e persistência

Um fato chama muito à atenção e mostra como um único pode fazer a diferença para os animais. E do quanto a persistência pode ser decisiva.

O caminho da denúncia que agora chega ao Superior Tribunal de Justiça teve início em 2011, quando a advogada Fernanda Tripode, por iniciativa pessoal, representou ao Ministério Público de São Paulo, solicitando ao órgão o ajuizamento de uma ação civil pública contra os organizadores do rodeio de Barretos. Inicialmente, a denúncia foi arquivada pelo MPSP, que aceitou os argumentos e documentos apresentados por Os Independentes, responsáveis pelo evento. Depois, resultou na ação que agora será julgada pelo Superior Tribunal de Justiça.

A ONG Olhar Animal fez uma breve entrevista com a advogada e ativista:

O que a levou a, sozinha, sem estar associada a uma ONG, apresentar a denúncia ao MP?

Como profissional do Direito e vegana pelos animais achei que era o mínimo que deveria fazer. Repudiava como repudio rodeio até hoje e a morte daquele bezerro me indignou. Só mostra o quão é nocivo com os animais toda vaquejada e rodeio. Estava no início do ativismo pelos animais e conhecendo esse campo pela luta por eles. Não conhecia nenhuma ONG para fazer a denúncia em seu nome, então resolvi fazer em meu nome. Queria que o MP tomasse as medidas contra “Os Independentes” pela morte do bezerro.

Quando fez a denuncia você imaginava este longo caminho percorrido, primeiro por sua representação e depois pela ACP que ela gerou, chegando hoje ao STJ?

Não. Como disse, estava no início do ativismo pelos animais e não tinha noção do quão é dura a luta no judiciário pelos animais, e claro, inclusive na sociedade. Mas, quando o MP arquivou a denúncia com base no laudo dos “Os Independentes”, eu comecei a entender o chão que pisava. Não é fácil. Interpus o recurso para desarquivamento e prosseguimento da denúncia. Achei uma injustiça. O caso já tramita há anos chegando hoje ao STJ. Eu fiquei muito satisfeita que o Veddas entrou dando apoio ao caso e depois o Olhar Animal dando esse apoio tão importante, e com seus nomes. É importante ONGs atuando pelos animais no judiciário. E em sendo positivo o julgado, eu ficarei satisfeita que gerará precedente para os animais e os ativistas que vieram a trabalhar com casos de rodeios e vaquejadas. Espero, claro, que seja positivo. Por enquanto, estou na expectativa, espero poder comemorar. Mas, já temos parecer do MPF muito bem fundamentado contra o bulldogging e isso é ótimo.

Aconteça o que acontecer no judiciário, aquele bezerrinho que foi usado e morto pela indústria do entretenimento e todos seus companheiros que também são explorados em rodeio e vaquejada, e de outras indústrias que os exploram e matam, não serão esquecidos por nós que lutamos pelo direito deles e por justiça pra eles.

Histórico

2011

  • Peão César Brosco deixa bezerro tetraplégico em prova de derrubada chamada bulldogging, na Festa do Peão de Barretos;
  • A advogada Fernanda Tripode apresenta denúncia ao MPSP contra a realização da prova bulldogging no rodeio de Barretos;
  • MPSP aceita argumentos e laudos enviados por ‘Os Independentes’ e arquiva representação;
  • Fernanda Tripode apresenta recurso ao Conselho Superior do MPSP contra o arquivamento. O advogado Ricardo de Lima Cattani protocola outro recurso, também solicitando o desarquivamento;

2014

  • Denúncia é desarquivada e o MPSP ajuíza Ação Civil Pública contra Os Independentes (processo aqui);

2018

  • ONG Veddas é habilitada no processo como amicus curiae, tendo como representante a advogada Fernanda Tripode;
  • O juízo da 2ª Vara Cível de São Paulo decide, em 1ª instância, pela proibição da prova bulldogging na Festa do Peão de Barretos;
  • Os Independentes apelam e caso passa a ser analisado em 2a. instância pelos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo (processo aqui);

2019

  • ONG Olhar Animal, representada pelo advogado Mario Luiz Augelli Barreiros, solicita habilitação no processo na condição de amicus curiae e apresenta parecer técnico elaborado pelo biólogo Sérgio Greif que indica os maus-tratos inerentes à realização da prova bulldogging;
  • ONG Olhar Animal é admitida no processo como amicus curiae;
  • ONGs participam do julgamento do recurso, fazem sustentação oral, mas por 3 votos a 2 o Tribunal de Justiça decide pela liberação da prova de bulldogging, reformando a decisão da 1ª instância;
  • MPSP recorre da decisão, mas têm seu recurso “trancado” pelo Tribunal de Justiça, que tenta impedir que o processo seja analisado por tribunais superiores;
  • MPSP interpõe agravo em recurso especial contra decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2020

  • O Ministério Público FEDERAL emite parecer não só favorável ao destrancamento, como já se posicionando sobre o mérito do mesmo favoravelmente à proibição da prova de bulldogging;
  • O STJ, por decisão da ministra relatora Regina Helena da Costa, da 2a. Turma, reconhece o agravo, convertendo-o em recurso especial;
  • A ONG Veddas se manifesta no processo juntando importante acórdão do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo que proíbe provas de laço e derrubada no Rodeio de Bauru;
  • A ONG Olhar Animal se manifesta informando ao STJ que se mantém ativa no processo e que pretende continuar subsidiando a Corte por meio de memoriais.

As ONGs Olhar Animal e Veddas aguardam intimação da Justiça para, a partir de então, juntarem novas argumentações e documentos ao processo. Ainda não há data para o julgamento do recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça. Resta torcer para que os ministros, ao avaliarem o recurso, estejam conectados com as mudanças que ocorrem no sentido do reconhecimento dos animais como dignos de consideração moral e, como decorrência, de proteção legal.

Fonte: Olhar Animal

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