A visão de que devemos nos basear em distinções naturais

A visão de que devemos nos basear em distinções naturais

Por Luciano Carlos Cunha

Considere o seguinte argumento:

“As espécies, diferentemente das raças, existem, biologicamente falando. Ou seja, não são meras construções humanas. As raças, pelo contrário, são meras construções humanas; não existem naturalmente. É por esse motivo que a analogia entre racismo e especismo não funciona, e é também por isso que o racismo é errado enquanto o especismo não é”.

Formatos de narizes também existem, biologicamente falando. Não são meras construções humanas. Segue daí que estaria justificada uma forma de exploração, escravidão ou discriminação que se baseasse em tipos de narizes? Casas são construções humanas. Segue daí que seria injusta uma política pública que visasse dar moradia aos que perderam suas casas em um desastre natural, só porque é uma política que é baseada em um critério que faz referência à uma construção humana? Saber se um critério para favorecer ou desfavorecer alguém é justo ou injusto depende das razões possíveis de serem endereçadas com vistas a descobrir se é justo ou injusto prejudicar/favorecer esse alguém em questão. Por exemplo, o fato de sofrer ser uma experiência ruim é uma razão para não se causar sofrimento. O fato de que morrer impede o desfrute de experiências positivas, e que tal impedimento é algo ruim, é uma razão para não matar. O fato de alguém estar em uma condição de maior necessidade que os outros é uma razão para dar prioridade a esse alguém na distribuição de algum bem. Saber se um critério que oferece razões para agir é baseado em uma característica natural ou se é baseado em uma característica que é uma construção humana não nos diz nada sobre se ele é justo ou injusto.

O erro com o racismo não é que raças não existem, biologicamente falando, e sim, que é um tipo de posição moral baseada em uma característica moralmente irrelevante. A raça de alguém é moralmente irrelevante com relação a saber se temos ou não obrigação de dar igual consideração a esse alguém porque todas as razões que explicam o porquê temos obrigação de dar consideração a membros de uma raça implicam automaticamente que temos obrigação de dar igual consideração a membros de todas as outras. E isso é assim não porque a razão para se considerar membros de uma determinada raça é o fato de eles pertencerem à espécie humana. Isso também é irrelevante para saber se temos ou não obrigação de considerar alguém. A razão básica para a obrigação moral de se considerar alguém é o fato de que esse alguém é capaz de ser prejudicado ou beneficiado. Alguém precisa de consideração moral porque é passível de ser prejudicado ou beneficiado, e não, por pertencer a esta ou aquela raça. A raça de alguém não influencia nessa possibilidade.

Mas, tampouco a espécie influencia. É por isso que é um grave erro dizer “cada humano deve receber igual consideração devido a que somos todos humanos”. O fato de alguém ser ou não um ser humano não influencia em sua capacidade de ser prejudicado ou beneficiado. E, alguém precisa de consideração moral devido à possibilidade de ser prejudicado ou beneficiado, e não, devido à sua raça ou espécie. Segue daí que a espécie, assim como a raça, são características moralmente irrelevantes para saber se temos ou não obrigação de dar igual consideração a alguém. O que é relevante, ao invés, é saber quem é passível de ser prejudicado ou beneficiado, e, para isso, basta que o ser em questão seja senciente (pois então é possível que ele seja prejudicado pela presença de sensações negativas e/ou ausência de sensações positivas, e/ou beneficiado pela presença de sensações positivas e/ou ausência de sensações negativas).

Assim sendo, saber se um critério baseia-se em uma distinção natural ou artificial não é relevante para saber se ele é justo ou injusto.

Fonte: blog Especismo Não! 


{article 211}{text}{/article}

Olhar Animal – www.olharanimal.org


 

Os comentários abaixo não expressam a opinião da ONG Olhar Animal e são de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *