‘Consideramos um crime o que a pesquisa faz aos animais’, diz fundador da Médicos para a Proteção de Animais na Medicina

‘Consideramos um crime o que a pesquisa faz aos animais’, diz fundador da Médicos para a Proteção de Animais na Medicina
Uma petição que também exige uma pesquisa sem testes em animais está pendente no Parlamento. Keystone / Peter Schneider

A proibição total de experimentos com animais e humanos é pauta das votações federais que serão realizadas no dia 13 de fevereiro de 2022. Se a iniciativa popular for aceita, a Suíça se tornará o primeiro país do mundo a introduzir tais restrições.

Renato Werndli é pioneiro na prática médica vegana na Suíça, além de ser membro fundador da organização “Médicos para a proteção de animais na medicina”. Ele está comprometido com os direitos dos animais há décadas. Em conversa com swissinfo.ch, o médico explica porque faz campanha pela proibição total de testes em animais.

swissinfo.ch: Sua iniciativa popular não recebeu votos favoráveis ​​no Parlamento. Por que você não conseguiu convencer o mundo político da importância da causa?

As questões dos direitos dos animais infelizmente são consideradas sem importância na política e o assunto dos testes em animais é polêmico. Além disso, não tivemos a oportunidade de apresentar nossos argumentos, mas agora esperamos poder fazer isso de forma mais ampla durante a campanha da votação.

swissinfo.ch: A iniciativa é considerada muito extrema pela comunidade de pesquisa, mas também por organizações de bem-estar animal. Como você explica o posicionamento de quem é contra?

A posição dos pesquisadores é compreensível, embora queiramos proibir apenas um processo. Inúmeros outros métodos ainda seriam permitidos, e a pesquisa dificilmente seria restringida.

Renato Werndli zVg
Renato Werndli zVg

Quando se trata de organizações de direitos dos animais, algumas pessoas já estão do nosso lado. A maioria acha nossa posição muito categórica. No entanto, não é extremo querer proibir todos os testes em animais. Consideramos um crime o que a pesquisa faz com animais e não podemos simplesmente limitar os crimes, devemos proibi-los.

swissinfo.ch: Quem se opõe à iniciativa aponta que os experimentos com animais seriam transferidos para o exterior se a medida fosse aprovada na Suíça. O que o senhor tem a dizer?

Nós não acreditamos nisso. Os cientistas que fazem esses experimentos não estão aqui por causa de métodos de pesquisa com animais, eles moram na Suíça por outros motivos também. Além disso, não acho que a pesquisa possa simplesmente ser transferida para o exterior. Se argumentarmos assim, não poderemos mais abolir nada.

Pense no trabalho infantil, que antes era permitido na Suíça e depois banido. Poderíamos então ter dito também: “A produção será deslocalizada”. Mas há razões éticas fundamentais para correr esse risco, embora eu não acredite que os experimentos serão transferidos para o exterior.

swissinfo.ch: Quais poderiam ser as alternativas aos testes em animais?

Estamos convencidos de que os experimentos com animais não são apenas eticamente ruins, mas também economicamente. Podemos até provar isso, com mais de 80 meta-estudos realizados por cientistas comparando diferentes métodos de pesquisa.

Essas análises mostram que a experimentação animal é um processo incerto e, portanto, ruim, é difícil de reproduzir porque os animais com sua psique e suas emoções são instáveis ​​quando usados ​​como instrumento de medição.

As principais alternativas são os biochips, nos quais são cultivadas culturas de células, tecidos ou órgãos em miniatura. Com estes biochips, podemos fazer pesquisas sem envolver as emoções ou a psique.

Mas qualquer outro procedimento científico pode ser usado: simulações em computador, estudos epidemiológicos ou procedimentos de imagem biomédica, como raios X ou ressonâncias magnéticas, permitem adquirir conhecimento sobre medicamentos ou métodos de diagnóstico.

swissinfo.ch: Por que você incluiu a experimentação humana em sua iniciativa em vez de pautar apenas os animais?

Do nosso ponto de vista, a experimentação humana é perigosa, mesmo para pessoas dispostas a participar. Muitos desconhecem que hoje, na fase clínica, experimentos em seres humanos ainda estão sendo realizados. Na maioria das vezes, em homens jovens e saudáveis ​​que não apresentam nenhuma doença que possa influenciar os resultados.

Um meta-estudo mostra que 95% dos medicamentos testados com sucesso em animais não funcionam em humanos e acabam não sendo comercializados, especialmente devido aos potenciais efeitos colaterais. Experimentar esses produtos em humanos saudáveis ​​é uma grande preocupação. A pesquisa não deve explorar a credulidade das pessoas. Queremos protegê-las porque elas não sabem que estão jogando um jogo perigoso e que 95% das drogas testadas não funcionam.

swissinfo.ch: Como o projeto de lei também quer proibir a importação de produtos desenvolvidos com experimentação animal e humana, muitos medicamentos não estariam mais disponíveis na Suíça. Como resolver este problema?

Não haveria problema. Se a maioria aceitar a iniciativa em 13 de fevereiro e assim declarar que considera os testes em animais cientificamente ruins, simplesmente não seria mais possível tratar a população com medicamentos que não foram suficientemente testados no exterior.

swissinfo.ch: A Suíça não poderia mais fechar acordos e compromissos internacionais, denunciam os opositores da iniciativa. O que você acha?

Muitos argumentam que os tratados comerciais podem ser um problema, especialmente o acordo da Organização Mundial do Comércio que a Suíça assinou. Mas nas regras da OMC, um artigo prevê exceções quando a moral pública é comprometida. Assim, a importação de peles de foca é proibida na Suíça. 

Outro exemplo: a União Europeia aboliu a importação de cosméticos testados em animais. A OMC aparentemente conseguiu encontrar um terreno comum com a UE nesta questão. Uma proibição de importação de produtos feitos com testes em animais parece-me, portanto, justificada.

swissinfo.ch: Se certos produtos não estiverem mais disponíveis na Suíça, não corremos o risco de desenvolver o turismo médico no exterior, do qual apenas os mais ricos poderiam se beneficiar?

Pelo contrário. Acreditamos que o turismo médico para a Suíça se desenvolverá, pois se espalharão rumores de que nosso país tem a melhor pesquisa, que não testa mais medicamentos usando métodos errados de testes em animais.

swissinfo.ch: Se a Suíça implementar sua iniciativa, terá uma posição única no mundo.

Somos apenas um em milhares de países, mas apesar de nosso pequeno tamanho, somos modelos.

swissinfo.ch: Várias tentativas de proibir ou limitar os testes em animais já falharam. Quais são suas chances desta vez?

Nossa relação com os animais evoluiu nas últimas décadas e a sociedade agora aborda esse assunto de uma perspectiva totalmente diferente. Obviamente, contamos com o fato de que essa mudança influenciará o resultado da votação e esperamos uma vitória nas urnas.

Fonte: SWI swissinfo.ch

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