Estudo da Ufam investiga mortes de 101 onças atropeladas em rodovias no Brasil

Estudo da Ufam investiga mortes de 101 onças atropeladas em rodovias no Brasil
Foto: Euzivaldo Queiroz

Vez ou outra alguém compartilha fotos ou notícias nas redes sociais sobre onças atropeladas nas rodovias. Um dos casos chamou bastante atenção no início do ano, quando uma onça-pintada foi encontrada morta com sinais de atropelamento, sem a cabeça e as patas em um trecho da rodovia BR-174, estrada que liga Manaus a Boa Vista. Este é mais um dos casos que poderia ter entrado na estatística de um estudo feito pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), que realizou um mapeamento do aparecimento de onças por todo o País.

O estudo, iniciado em 2016, está na fase final e contabilizou 101 mortes de felinos silvestres no Brasil entre os anos de 2017 e 2018. Na pesquisa, a onça parda ocupa o primeiro lugar no ranking dos atropelamentos nas rodovias federais de vários estados brasileiros. Os dados gerais do trabalho, que monitorou também os vestígios dos animais por diversos lugares do País, deve ser publicado no segundo semestre desse ano.

O coordenador da pós-graduação em Ciências Ambientais e Florestais da Ufam, Rogério Fonseca, explica que a intenção do estudo era apenas mapear locais onde esses animais estavam aparecendo, com foco inicial na onça-pintada. Porém, com o tempo, eles foram recebendo por meio do aplicativo “Oia a Onça”, várias informações relacionadas a essas mortes e começaram a levantar esses dados.

“Em virtude de uma dificuldade logística de estar levando a equipe de pesquisa para campo, resolvemos investir o tempo em um sistema computacional, por meio de aplicativo embarcado em celular, em que a sociedade pudesse participar conosco desse levantamento. Depois de gerado o aplicativo, a gente começou a receber, também,  fotos de onças atropeladas. Isso foi uma surpresa”, conta.

Segundo ele, os registros, recebidos desde o começo de 2019, têm crescido assustadoramente. “Mesmo esses dados de 2019 não estando no estudo que vai ser publicado, a gente observou um crescimento. Foi um aumento de 30% quando comparamos o mesmo período dos anos anteriores. Isso no caso dos atropelamentos nas estradas. O que é muito preocupante visto que a nossa análise já mostra dados alarmantes”, esclarece.

Possíveis causas e crime

O analista ambiental, Robson Czaban, que atua no setor de fauna do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), diz ser incomum essas ocorrências relacionadas ao animal sem cabeça e esclarece que comercializar ou até mesmo manter as partes do animal em casa é crime.

“Nesse caso, provavelmente a onça foi atropelada, mas não se sabe se  a própria pessoa tirou as partes do animal ou foi alguém que passou depois e fez o ‘serviço’ para guardar isso como um troféu. Porém, se ela for tentar comercializar, estará infringindo a lei. Porque você não pode comercializar produtos da fauna. A fiscalização (quando identifica) pode ir ao local, apreender esse material e aplicar uma multa, que no caso de animal ameaçado é de R$ 5 mil”, esclarece.

Para ele, o desmatamento e a caça são fatores que influenciam a ida desses felinos para as estradas. Assim como a morte do animal em outras situações.  “A gente vê a diminuição da floresta e o aumento da população. Infelizmente, sempre nessas comunidades, tem alguém que caça. Então o que a gente percebe é que as onças estão ficando sem lugar para  permanecerem e ao mesmo sem alimento, porque o que elas comem, coincide  justamente  com o que as pessoas caçam.  Então estão ficando sem comida e vão em busca de outros animais que são atropelados nas estradas também, o que facilita os incidentes”, explica.

Risco de extinção

A onça-pintada no Brasil já é considerada um animal em risco de extinção. No Estado, o Grupo de Pesquisa Ecologia e Conservação em Felinos na Amazônia (GP Felinos) do Instituto Mamirauá, faz um trabalho de monitoramento do animal para ajudar na conservação dos felinos.

“O projeto começou em 2004 e já vimos resultados positivos nesse sentido. O objetivo principal é entender a ecologia da onça-pintada nas florestas de várzea da Amazônia para subsidiar ações efetivas de conservação da espécie e melhorar a qualidade de vida das pessoas que convivem com este grande felino”, explicou o  diretor Técnico Científico do Instituto Mamirauá, Emiliano Ramalho.

O grupo monitora as onças durante o ano inteiro onde tecnologias são aliadas para fazer o rastreamento dos animais nos mais de 11.000 quilômetros quadrados de reserva.

Resgate

Além dos atropelamentos, muitas vezes as onças são capturadas para venda. Em muitos casos, as denúncias chegam até os órgãos fiscalizadores que recuperam o animal e os encaminham até o Centro de Instrução de Guerra na Selva, o Cigs.

No local, eles são tratados e quando não podem voltar à natureza ficam no espaço, onde recebem alimentação e cuidados veterinários. Atualmente 10 animais, entre onças pintadas, pardas e pretas, são mantidos no Cigs. São nove machos e uma fêmea tratados no local pelos veterinários do Centro de Instrução, mas apenas cinco ficam nos espaços de visitação do zoológico que funciona na área.

Um dos veterinários responsáveis, tenente David Tamborini, explica que o local realiza esse trabalho de recebimento de animais em condições de risco há mais de 50 anos. Geralmente são animais sem condições de serem devolvidos imediatamente à natureza. “São oriundos de tráfico, que em alguns casos ficaram órfãos porque a mãe foi caçada, foi abatida, na maioria das vezes por caçadores, animais atropelados, eletrocutados ou apreendidos embarcando em voos para outros países. Eles vem sempre encaminhados pela autoridade ambiental competente”, explica.

No espaço, o Exército tem uma estrutura de hospital veterinário direcionado para os animais silvestres, com uma equipe de veterinários, biólogos e engenheiros ambientais preparados para cuidar dos felinos e de outros animais que chegam na mesma situação.

“Damos o suporte para as outras instituições nesse sentido. Em alguns casos esses animais podem permanecer aqui. Se a gente tiver espaço e um recinto adequado para essa espécie, solicitamos a autorização do Ibama ou da instituição competente naquela situação. Só aí ele passa a compor o plantel (disponível para visitação), antes disso ele só vem para tratamento médico”, explica.

Orientação

Sobre a questão dos atropelamentos e a retirada das partes dos animais, o especialista acredita que as pessoas podem estar fazendo isso para obter uma espécie de ‘troféu’, o que pode estar atrelado a um comportamento cultural. “O atropelamento em si, pode ser que tenha sido um acidente, pelo menos nesses dois casos específicos tudo indicou que de fato foi acidente. Se fosse um caçador que pegou para obter um troféu, ele não iria fazer isso no meio do asfalto e provavelmente iria levar todo o animal e não deixar à vista das pessoas”, disse.

Ele orienta que quando se presenciar uma situação do tipo, o correto é chamar as autoridades competentes. “Se for uma rodovia federal, quem pode dar esse primeiro auxilio é a Policia Rodoviária Federal. Eles têm orientação para encaminhar adequadamente esse animal. Se for nas proximidades de Manaus, no caso de morto, esse animal vai ser encaminhado para a Universidade Federal, onde eles têm um estudo. Se o animal estiver vivo, vem para cá ou vai para o Ibama,  onde eles têm um centro de atenção  emergencial para esses tipos de animais. E aqui a gente consegue dar uma apoio nesse sentido também”.

No local, o animal mais recente, um filhote de suçuarana (onça parda) chegou em meados do segundo semestre do ano passado. O felino foi resgatado do município de São Gabriel da Cachoeira, a 858 quilômetros de Manaus, ainda filhote.

Por Izabel Guedes

Fonte: A Critica 

Os comentários abaixo não expressam a opinião da ONG Olhar Animal e são de responsabilidade exclusiva dos respectivos autores.