Lei que proíbe carroças em Natal (RN) não tem efeito prático 5 anos após sanção

Lei que proíbe carroças em Natal (RN) não tem efeito prático 5 anos após sanção
Carroceiros encontram barreiras para inserção por conta do nível de analfabetismo

Cinco anos após a sanção da lei que instituiu a Política Municipal de Retirada dos Veículos de Tração Animal, ainda não há regulamentação para o texto que previa a retirada das carroças da cidade e a reinserção dos carroceiros no mercado de trabalho. Neste período foram realizadas audiências com representantes da Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Natal, Prefeitura, vereadores e a categoria, mas não houve consenso. Enquanto não há regulamentação da lei, cerca de 2.500 carroceiros atuam na capital fazendo trabalhos de coleta seletiva, reciclagem e frete utilizando o meio de transporte movido a tração de burros ou cavalos.

O presidente da Associação dos Carroceiros, Adriano de Brito, diz que a lei é inócua e cobra ações da Prefeitura. Durante as rodadas de negociação ao longo dos últimos cinco anos, Adriano de Brito disse que a Prefeitura chegou a oferecer cursos de fabricação de bolos e crochê, o que, no entendimento dele, não seriam capacitações viáveis para o perfil dos carroceiros. “Os cursos foram descartados porque 90% é analfabeto. É um negócio sem sentido”, critica. A Prefeitura de Natal foi procurada através das secretarias municipais de Serviços Urbano e Meio Ambiente e Urbanismo, mas não deu resposta.

A capacitação era uma espécie de contrapartida da Prefeitura para beneficiar as pessoas afetadas com a lei, mas que acabou não prosperando. “A Semtas [Secretaria de Assistência Social] fez o mapeamento das famílias dos carroceiros, através do Departamento de Desenvolvimento e Qualificação Profissional, em todas as regiões onde os condutores de veículos de tração animal e suas famílias residiam e ofertou cursos de capacitação, porém na maioria dos cursos ofertados não houve adesão. Além disso, realizou ações com entrega de cestas básicas para esse público”, disse a pasta em nota.

Adriano de Brito diz que os trabalhadores topariam dialogar com o ente público para abandonar as carroças desde que houvesse garantias de trabalho. Segundo ele, que exerce a profissão de carroceiro há quase três décadas, a maior preocupação é a reinserção no mercado de trabalho porque a grande maioria dos carroceiros possui idade avançada e baixa escolaridade.

“Essa é a forma que a gente tem de tirar o sustento, com as carroças, com a reciclagem. A gente gostaria que houvesse uma garantia de que vamos ter nosso sustento. Eu tenho 10 filhos. Nesse momento estamos esperando uma solução da prefeitura. Por que esses carroceiros não são colocados para trabalhar na prefeitura? Poderiam trabalhar na coleta seletiva, limpeza, reciclagem de materiais, toda essa área que os carroceiros já são acostumados a trabalhar. É preciso também que haja um acordo para que seja um trabalho permanente”, afirma Adriano de Brito.

O vereador Milklei Leite (PV), presidente da Comissão de Transportes, Legislação Participativa e Assuntos Metropolitanos da Câmara Municipal de Natal, disse que a lei (nº 6.677/2017) não tem efetividade e que ainda aguarda regulamentação do Município. “Tem a parte dos carroceiros e a parte do Município, que não foi cumprida, que é realocar esses carroceiros para o mercado de trabalho. Não foi feito nada. Então para tirar realmente os animais da rua é preciso fazer isso antes”, explica o parlamentar.

Carroceiro há 50 anos, João Maria, também critica a legislação. “Sei que existe essa lei, mas ninguém nunca procurou a gente. Querem tirar a gente das ruas, mas para botar onde? Aqui eu tiro o sustento da família fazendo reciclagem, pegando um frete, às vezes as pessoas veem nossa situação e doam um sacolão, um alimento, qualquer coisa, então para a gente seria muito ruim”, reclama o idoso de 77 anos, que trabalha no bairro das Rocas, zona Leste da capital.

A Lei 6.677, de 31 de maio de 2017, instituiu em Natal a Política Municipal de Retirada dos Veículos de Tração Animal e disciplina a circulação de veículos de tração animal, a condução de animais com carga e o trânsito montado. Os objetivos são: possibilitar ações de inclusão socioprofissional dos condutores de veículos de tração animal, devidamente identificados de acordo com a Política Municipal de Trabalho, Emprego e Renda; eliminar os maus tratos aos animais utilizados nos veículos de tração animal; melhorar as condições de segurança e circulação no trânsito; e impedir a deposição de resíduos em locais irregulares.

Fonte: Tribuna do Norte


Nota do Olhar Animal: O projeto parece ter sido pessimamente implantado. Comumente, isso ocorre pr haver resistências dentro do próprio poder público. Mas a ideia de que preservar e incentivar o uso de carroças é agir “a favor dos carroceiros” é um enorme equívoco. Além da crueldade contra os animais, a tração animal está intimamente ligada à manutenção da condição de miserabilidade dos carroceiros, perpetuada pela escandalosa incompetência e pela moral rasa de gestores públicos, que de um lado não mostram sensibilidade alguma para com os interesses dos animais e de outro revelam sua gigantesca ignorância sobre o quanto esta atividade impacta negativamente na vida de quem a pratica. Exemplo positivo: em Paquetá, no RJ, onde a tração animal foi substituída pela elétrica, os charreteiros, que antes se opunham ferrenhamente a qualquer mudança, hoje são agradecidos por ela, pois a qualidade de vida deles melhorou significativamente e podem desfrutar inclusive de período de férias, algo impensável nos tempos em que as despesas com os cavalos e a limitação das horas de trabalho mal permitiam os cuidados veterinários e o sustento da família. É deplorável que autoridades não se importem com o sofrimento dos cavalos. Outro caso positivo é este em Gravataí, RS, noticiado recentemente (vide matéria abaixo). E, mesmo agindo de forma totalmente especista para supostamente favorecer os carroceiros, a posição destas pessoas que se opõe ao fim da tração animal revela serem bastante desinformadas sobre os impactos sociais de sua manutenção.

Lei Tubiana: casos de maus-tratos a cavalos têm queda de 90% em Gravataí, RS

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