Uso de animais em práticas cirúrgicas – parte 1

No mês de maio de 2009, cerca de 300 estudantes de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) invadiram a Reitoria da Universidade para protestar contra a proibição do uso de animais vivos oriundos do CCZ municipal em práticas de cirurgia. Segundo as alegações desses estudantes, seria impossível aprender a operar em cadáveres ou boneco, porque em animais vivos podem acontecer imprevistos, que preparam os estudantes para casos de operações reais.

Segundo ainda sua argumentação, a faculdade é o lugar onde eles podem errar e aprender. Matar animais agora para salvar animais no futuro. Esses estudantes se embasaram na Lei nº 11.794/08, a mal afamada Lei que regulamenta o uso de animais, para legitimar as cirurgias.

Obviamente que uma discussão jurídica, apoiada em uma lei criada para favorecer a experimentação animal, favorecerá o uso de animais, seja lá de onde provenham. O propósito do presente artigo não é discutir a questão legal, mas a técnica e a ética.

Em primeiro lugar as alegações:

I. É impossível aprender a operar em cadáveres ou boneco, porque em animais vivos podem acontecer imprevistos, que preparam os estudantes para casos de operações reais.
II. A faculdade é o lugar onde eles podem errar e aprender. Matamos animais no presente para salvarmos animais no futuro.

Como resposta à primeira alegação, o uso de recursos substitutivos tais como cadáveres e manequins de fato não possibilitam, por si só, a preparação do estudante para operar pacientes reais, mas eles nem têm a pretensão de fazê-lo. Estudantes que realizam seus treinamentos em animais experimentais também não saem preparados para realizar procedimentos em pacientes reais. Esse vácuo, essa desculpa, simplesmente não existem e nem fazem sentido. O treinamento cirúrgico em animais também não faz, por si só, dos estudantes cirurgiões.

Portanto, há que se entender que a defesa do uso de recursos substitutivos ao uso de animais não pretende trazer a noção de que um único recurso é capaz de conferir todo o treinamento necessário para estudantes de medicina veterinária ou de qualquer que seja a formação. A habilidade é adquirida, construída, mediante uma combinação de técnicas que inclui um somatório de recursos.

São alguns desses recursos, de fato, os cadáveres de animais frescos, mortos por causas naturais, ou preservados por técnicas que permitam a conservação dos tecidos como se estivessem ainda vivos; o treinamento fazendo uso de materiais biológicos retirados de pacientes reais, humanos ou animais, tais como veias com varizes (para treinamento de cirurgias vasculares), placentas ou tecidos oriundos de biópsias (podem ser utilizadas para treinamento em microcirurgia) etc; os simuladores realísticos, os manequins, as técnicas de cirurgias virtuais e telecirurgias e muitos outros recursos (para uma detalhamento maior sobre cada uma dessas técnicas ver “Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação”.

Apenas após a utilização desses recursos, o estudante passa a trabalhar com animais vivos, não cobaias de laboratório ou animais oriundos de CCZ, mas pacientes reais. E esse trabalho deve ser feito sempre acompanhando o professor ou um cirurgião experiente. Na Europa e nos EUA, com raríssimas exceções, estudantes universitários aprendem técnicas cirúrgicas e de anestesia acompanhando, em pequenos grupos, cirurgiões experientes apenas como ouvintes. Conforme seu aprendizado progride, estes passam a desempenhar papéis secundários, como instrumentadores ou cirurgiões auxiliares, até que passam eles mesmos a desempenhar cirurgias.

Há muita diferença entre trabalhar com pacientes reais, que realmente necessitam sofrer um procedimento, e animais experimentais que de forma alguma necessitam sofrer o procedimento, a começar pelo fato de que as atividades realizadas em animais experimentais se limitam à técnica, mas não visam ao bem do animal, enquanto as técnicas realizadas em pacientes reais têm objetivos de cura e o estudante tem a oportunidade inclusive de acompanhar a recuperação do paciente.

De toda forma, quanto ao questionamento sobre a utilidade desses recursos substitutivos, diversos estudos têm comprovado que estudantes que utilizam esses recursos aprendem igualmente, ou em alguns casos melhor, do que estudantes que utilizam animais (para conhecer alguns desses estudos ver “Alternativas ao Uso de Animais Vivos na Educação”.

Como resposta à segunda alegação, a de que é importante que os estudantes tenham a possibilidade de errar em animais experimentais, com o objetivo de mais tarde salvar a vida de animais, essa relação simplesmente não existe. Aspirantes a se tornarem médicos não matam seres humanos em nome da formação acadêmica. Além disso, esse conceito de matar poucos para salvar muitos simplesmente não cabe. A diferença nitidamente se encontra no fato de que animais experimentais não possuem donos e, portanto, ninguém paga por sua manutenção; por outro lado, animais que sejam propriedade têm quem pague por sua saúde.

O uso de animais obtidos de CCZ ou oriundos de biotérios não tem potencial de transmitir ensinamentos significativos para os estudantes. Quanto muito, isso serve para aumentar sua autoconfiança, mas mesmo isso é questionável, visto que a morte do animal, por fim, pode ter o efeito inverso.

Com relação ao ganho de autoconfiança entre estudantes que aprendem utilizando métodos substitutivos a animais, ler “Uso de animais em práticas cirúrgicas II”.

Fonte: ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais


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Olhar Animal – www.olharanimal.org


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