A União Europeia ainda permite que embarcações perigosas transportem animais vivos

A União Europeia ainda permite que embarcações perigosas transportem animais vivos
Navio pecuário, crédito: Animal Welfare Foundation

Os navios transportadores de gado são os navios mais perigosos do mundo, mas ainda têm permissão de carregar animais vivos de portos europeus para exportação a países do terceiro mundo, de acordo com um novo relatório de duas ONGs.

O relatório, publicado na semana passada pela ONG alemã Animal Welfare Foundation (AWF) e pela ONG ambiental francesa Robin des Bois, inclui dados detalhados sobre o estado abaixo do padrão dos 64 navios que atualmente estão em atividade. Nas condições atuais, as duas organizações pedem à UE que interrompa imediatamente a exportação de gado por via marítima.

O relatório foi acompanhado de um vídeo mostrando imagens perturbadoras do carregamento dos animais para as embarcações e das condições a bordo.

Como relatado anteriormente, a Comissão Europeia apresentou em dezembro passado um pacote de recomendações sobre o bem-estar animal para melhorar as regras em três áreas diferentes, mas este ficou aquém da revisão mais ambiciosa da legislação que se comprometeu a propor.

No que diz respeito ao transporte de animais vivos, o pacote incluiu uma série de novas regras para melhor proteger os animais durante o transporte. A exportação de animais vivos para países não pertencentes à UE ainda será permitida mesmo sob regras mais rígidas. E também, as viagens marítimas de longa distância mar não serão limitadas. As novas disposições não são suficientes para evitar a crueldade nos transportes por mar, de acordo com ONGs de bem-estar animal.

O relatório analisa a navegabilidade, a segurança, a conformidade ambiental e a adequação à saúde e ao bem-estar animal dos transportadores de gado que operam na UE. O transportador médio de gado tem 43 anos de uso, funcionando apenas “à base de ferrugem e esperança”. Quase todos os navios não foram construídos para transportar gado e serviram como navios de carga até que não fossem considerados seguros para seu propósito inicial.

Embarcações com bandeiras negras permitidas

Além disso, quase metade dos transportadores de gado aprovados pela UE carregam a bandeira de um país listado como ‘bandeira negra’ pelo Paris Memorandum of Understanding (Memorando de Entendimento de Paris, em tradução livre) – um acordo entre autoridades marítimas sobre o controle pelo governamental dos portos). Isso significa que as embarcações representam um risco extraordinariamente alto para o tráfego marítimo, bem como para a vida dos animais e da tripulação a bordo, e para o meio ambiente.

Carregamento de animais, crédito: Animal Welfare Foundation
Carregamento de animais, crédito: Animal Welfare Foundation

Desastres com transportadores de gado são comuns. Embarcações de alto risco que são detidas nos portos devido a deficiências são normalmente proibidas de continuar operando e desmanteladas, mas isso raramente acontece com os transportadores de gado. Quinze dos dezessete navios que foram identificados em um relatório anterior em 2021 como navios de alto risco ainda estão liberados na UE.

“Já se passaram três anos desde o último relatório conjunto da AWF e da Robin des Bois”, comentaram Iris Baumgärter da AWF e Charlotte Nithart da Robin des Bois. “Três anos durante os quais o sofrimento dos animais a bordo de embarcações defeituosas foi simplesmente aceito. A legislação da UE deve definitivamente enfrentar a realidade brutal do transporte marítimo de animais vivos e tomar as medidas necessárias.”

Por que embarcações que não foram consideradas em condições de navegação, de acordo com o relatório anterior, ainda estão em atividade? Um porta-voz da Comissão respondeu que a aprovação dos navios de transporte de animais vivos é da responsabilidade das autoridades competentes dos Estados-Membros, seguindo verificações oficiais do cumprimento dos requisitos previstos de um Regulamento do Conselho de 2005 relativo à proteção dos animais durante o transporte.

As embarcações são aprovadas por cinco anos. “Apesar de um melhor conhecimento e informação sobre as deficiências, a Comissão e os Estados-Membros não são obrigados a retirar a aprovação ou a proibir o carregamento de animais em navios abaixo dos padrões que navegam sob bandeiras negras”, disse Iris Baumgärter, que contribuiu para o relatório, ao jornal The Brussels Times.

A Comissão exerce uma supervisão eficaz das aprovações e controles portuários marítimos dos transportadores de gado pelos Estados-Membros? A Comissão respondeu que realiza auditorias regulares dos sistemas de conformidade dos Estados-Membros para proteger o bem-estar dos animais durante o transporte para países do terceiro mundo em transportadores de gado.

Quando é constatada uma não conformidade com a legislação da UE, a Comissão emite recomendações ao Estado-Membro em causa e monitoriza as ações corretivas.

Uma das principais conclusões das próprias auditorias da Comissão é que “a forma como os Estados-Membros realizam inspeções de carga e descarga de animais, para constatar ou não sua conformidade ao regulamento, geralmente não é suficiente para minimizar o risco para o bem-estar animal inerente a esse tipo de transporte”.

Um porta-voz da Comissão disse ao The Brussels Times que a Comissão leva muito a sério as conclusões do relatório das ONG e referiu novas regras sobre o transporte de animais vivos por mar que foram adotadas no ano passado. Segundo o porta-voz, as regras foram ou serão reforçadas.

 Interior do transportador de gado, crédito: Animal Welfare Foundation
Interior do transportador de gado, crédito: Animal Welfare Foundation

Novas regras serão suficientes?

Uma proposta de novo regulamento sobre a proteção dos animais durante o transporte foi adotada pela Comissão em 7 de dezembro de 2023, com base na experiência da implementação do regulamento de 2005, nos resultados das auditorias e em outros dados. A proposta está aberta a comentários no portal “Have your say” até a próxima sexta-feira (12 de abril) e pode ser baixada do portal.

A Comissão também adotou, em 17 de fevereiro de 2023, um Regulamento Delegado que já entrou em vigor no que diz respeito às regras para a realização de controles destinados a verificar o cumprimento dos requisitos de bem-estar animal para o transporte de animais por navios transportadores de gado. Um regulamento de execução da mesma data estabelece regras sobre o registo e a partilha de informações dos controles.

Esta é uma área muito técnica que requer diferentes especialistas para inspecionar a construção e manutenção de embarcações de animais vivos e avaliar se elas estão aptas para o transporte destes animais, comentou Iris Baumgärter. O Regulamento de Implementação exige equipes de especialistas para a aprovação das embarcações, mas não bane a aprovação de embarcações que estejam abaixo do padrão.

“Espera-se que a proposta de revisão do regulamento de 2005 exclua pelo menos os navios sob bandeira negra da aprovação, mas ela ainda precisa passar pelo processo político. O que acontecerá com embarcações sob bandeiras negras?”

Atualmente, as inspeções de embarcações de gado são feitas principalmente por veterinários. Um documento de várias ONGs e ativistas de 2020 sobre transportadores de gado propôs que as equipes de inspeção fossem compostas por veterinários oficiais e especialistas marítimos. No entanto, o documento, rotulado como uma orientação para os Estados-Membros, não era um documento juridicamente vinculativo, mas uma recomendação de melhores práticas.

A Comissão admite que a competência veterinária por si só não é suficiente para verificar o funcionamento dos navios de gado, e não pode ter um impacto no bem-estar dos animais transportados. Isso agora é coberto pela Implementing Regulation (Regulamento de Implementação, em tradução livre) (artigo 9) e deve conduzir à aprovação de apenas embarcações de bandeira branca.

Tradução de Sônia Zainko

Fonte: The Brussels Times


Nota do Olhar Animal: O transporte é uma das situações no sistema de produção de carne e de outros produtos de origem animal em que os animais são submetidos a intensos maus-tratos. Trata-se de um agravante em relação ao dano maior, que é o abate, que viola o interesse mais básico destes seres, que é o interesse em viver. Só há uma forma definitiva de poupar os animais de todo esse sofrimento, só há uma maneira de não ser cúmplice da crueldade e da injustiça cometida contra eles: é não consumindo estes “produtos” e, assim, deixando de financiar as atrocidades cometidas contra estes animais.

Se a morte dos animais é o principal problema, há também outras questões bem graves vinculadas à exportação de animais vivos, como o trabalho escravo e o desmatamento, indicados em uma matéria do UOL que pode ser acessada aqui.

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