Ação judicial pede proibição de animais em rodeio de Gravataí, RS; os cowboys e a porteira aberta

Ação judicial pede proibição de animais em rodeio de Gravataí, RS; os cowboys e a porteira aberta
Festa do Peão Boiadeiro de Barretos | Foto ANDRÉ MONTEIRO | Divulgação

Uma ação da ONG Princípio Animal pede à Justiça que barre a etapa de Gravataí do Circuito Nacional de Rodeios Festa do Peão Boiadeiro 2022, anunciada para acontecer entre esta quarta e sábado, 19h, ao lado do Stock Center, na ERS- 118. O pedido está sob análise do Ministério Público.

Pelo que apurei, ao menos até o fechamento deste artigo a Prefeitura ainda não tinha recebido documentação dos organizadores e não liberou licenças para a ‘competição’ que anuncia R$ 50 mil em prêmios.

Em nota na manhã desta terça-feira, o governo Luiz Zaffalon (MDB) informou que não tem participação na organização do evento, que segue o modelo de Barretos, que é considerado por ativistas da causa animal como dos mais cruéis com os animais.

“… Com relação ao Circuito Nacional de Rodeios – Etapa Gravataí, a Prefeitura informa que não é apoiadora institucional do evento e que não faz parte da sua organização. Trata-se de um empreendimento privado, cabendo ao Município o licenciamento, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET). Em caso de realização do evento, caberá à Prefeitura, como de praxe, a organização da mobilidade urbana do entorno. De forma pública, reiteramos aos organizadores o pedido para que o nome da Prefeitura seja retirado do material de divulgação…”, diz a nota de esclarecimento.

– Não queremos inviabilizar o evento como um todo, apenas evitar a montaria e uso de animais na arena – explica Fernando Schell, da Princípio Animal, sobre a festa que tem shows como de Gian e Giovani, Baitaca, e, mesmo ainda sem licença, ingressos à venda em plataformas online entre R$ 50 e R$ 120, inclusive com sorteio de carro zero.

Márcia Becker (MDB), vereadora da causa animal de Gravataí, vai fiscalizar nesta tarde a chegada dos 20 touros, que vem do Paraná. A parlamentar, autora da lei que proíbe gradualmente as carroças no município, faz pressão para que licenças não sejam liberadas pela Prefeitura comandada pelo prefeito de seu partido.

– Todas outras atividades podem ocorrer normalmente, mas queremos que as provas que utilizam animais sejam banidas. Não aceitamos a crueldade como diversão, animais não são divertimento, são vidas que merecem respeito e proteção. Querem diversão em cima de um touro? Usem mecânico – argumenta.

Rodeio e laço são considerados manifestações culturais nacionais desde 2019, com a sanção da lei 13.873 por Jair Bolsonaro. O texto prevê aprovação de regulamentos específicos para o rodeio, vaquejada e demais provas perante o ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Esses regulamentos deverão determinar regras para garantir a proteção e o bem-estar dos animais.

Em relação à vaquejada, os animais deverão ter à disposição água e alimentação em local apropriado para o descanso, além de assistência médico-veterinária. A lei também estabelece que sejam utilizados protetores de cauda em todos os bois e uma quantidade mínima de areia lavada de 40 centímetros de profundidade na faixa em que acontece a pontuação.

Recorro a relato feito na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus-Tratos de Animais pela veterinária e diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Vânia Plaza, sobre uma série de lesões e outros sofrimentos causados a bovinos e equinos em rodeios.

Em estudos próprios e no auxílio a investigações do Ministério Público, Vânia Plaza acompanhou os bastidores de rodeios no interior do país e constatou “um grande número de acidentes que afetam os animais e as pessoas também”.

Ela citou problemas relativos à violência e agressividade das provas e treinamentos, condições ambientais e de manejo impróprias (como transporte, luz e som) e desrespeito aos períodos cíclicos de sono e vigília dos animais.

Vânia Plaza também mostrou pesquisa científica – feita em rodeios de Uberlândia (MG), Uberaba (MG), Presidente Prudente (SP) e Maringá (PR) – segundo a qual 48% a 65% das lesões físicas nos animais foram causadas por esporas.

A veterinária lembrou que todos os mamíferos, aves e répteis têm sistemas límbicos, capazes de detectar e expressar a dor e o sofrimento. Plaza cobrou responsabilidade e ética diante dos animais.

Negam sempre os organizadores, mas basta assistir a um rodeio desse tipo para saber que o critério valorativo da competição é o “quanto maior o corcoveio e o salto do animal, maior deverá ser a pontuação obtida pelo competidor”.

Impossível me parece que o touro faça os movimentos sem sofrimento.

É preciso fiscalizar também se não serão usados antes dos animais entrarem na arena dos rodeios métodos e artifícios que, além de provocarem mais saltos e corcoveios, não são percebidos claramente pelos espectadores, como choques elétricos e mecânicos, que são aplicados nos órgãos genitais do animal.

Ao fim, independentemente de minha notória suspeição para tratar rodeios com ‘isenção’, por ser ativista da causa animal, reputo também os organizadores tratam Gravataí como uma cidade de porteira aberta, uma arena de ninguém, onde qualquer cowboy chega e faz a festa que bem entende. Como pode já anunciarem e venderem ingressos sem, UM DIA ANTES DO EVENTO, ainda não terem apresentado documentos e recebido licenças da Prefeitura?

Sobre a lei que tornou rodeios manifestação cultural, não é nada que o Zeitgeist, o ‘espírito do tempo’, não mude. A escravidão também era cultura.

Por Rafael Martinelli

Fonte: Seguinte

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