Defensores de animais recorrem à Justiça para tentar deter rodeios

Defensores de animais recorrem à Justiça para tentar deter rodeios

Há pouco menos de um mês, a Festa do Peão de Barretos, no interior de São Paulo, retornava triunfante. Era a primeira do pós-pandemia, com pirotecnias e a presença do presidente Jair Bolsonaro com ministros. Mas na mesma semana, um juiz proibiu rodeios em Minas Gerais. Dias depois, uma decisão semelhante em São Paulo pôs em xeque eventos tradicionais como a própria Festa de Barretos e a de Sorocaba, prevista para voltar após 13 anos proibida por outra decisão municipal. As duas decisões caíram, num vai e vem judicial antigo mas que ganha força, impulsionado pela guerra entre empresários do agronegócio e do entretenimento voltado ao público rural e políticos com defensores dos direitos de animais.

Com a revogação da decisão em São Paulo, o Jaguariúna Rodeo Festival, que vai até 24 de setembro, teve seu primeiro dia na sexta-feira. Em outro município do estado, apesar de a prefeitura de Sorocaba prometer para o fim do ano o retorno de seu rodeio, a realização não está garantida. Uma nova lei do município reautorizou este ano rodeios e vaquejadas na cidade. Mas o Ministério Público de São Paulo questionou o texto e o Tribunal de Justiça de São Paulo o considerou parcialmente inconstitucional, o que impediria a realização de parte das provas, como a de laço, de montaria e de “pega do garrote”. A realização do evento, no entanto, não foi de fato proibida com essa decisão.

Na ausência de uma lei geral, cabem aos municípios ou tribunais decidirem suas permissões para a realização de rodeios. Mas institutos de defesa dos animais e juristas dizem que, desde o início da gestão de Bolsonaro, que cultiva o setor do agronegócio e do entretenimento sertanejo como importantes bases eleitorais, cresceu a pressão pelo retorno ou aumento das festas.

Em 2017, foi sancionada uma emenda constitucional que protege as “práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais”. A exceção valeria para rodeios e vaquejadas nos limites do artigo 225 da Constituição, que proíbe práticas que submetam animais a crueldade. Mas em 2019, Bolsonaro sancionou a lei que regulamenta as práticas de vaquejada, rodeio e laço, e reconhece essas atividades como “expressões esportivo-culturais pertencentes ao patrimônio cultural brasileiro de natureza imaterial”. No mesmo ano, o presidente instituiu o Dia Nacional do Rodeio, 4 de outubro.

Grupos de proteção e defesa animal acusam os eventos de promoverem maus-tratos aos bois, touros e cavalos, tanto pelo estresse durante a competição como pelos tratamentos aos quais são submetidos ao longo do tempo. Já apoiadores dos rodeios defendem a ideia de uma tradição e um valor cultural na prática, além de citarem a importância econômica do evento para os municípios em que são feitos.

De acordo com a Confederação Nacional de Rodeio, o Brasil deve fechar o ano com cerca de 900 eventos do setor realizados, que reuniriam aproximadamente 8,2 milhões de pessoas, movimentando R$8 bilhões.

— Bois e cavalos não pulam, naturalmente, daquela altura. Mas usam diversos artifícios para condicionar o animal, desde os equipamentos na prova ao treinamento e alimentação ao longo da vida. Dizem que o animal é atleta, mas isso é uma condição antinatural. É inadmissível manter esse sistema de exploração. Baseado em quê? Os eventos continuam, com a parte dos shows e da festa. Não precisa das provas com animais — diz a veterinária Vania Nunes, diretora do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal. — Hoje temos menos rodeios que há 20 anos, mas reacendeu a pressão, depois da emenda constitucional e do governo Bolsonaro.

Decisões divergentes

Um marco legal importante no setor aconteceu em 2016, quando o STF julgou como inconstitucional uma lei estadual do Ceará que regulamentava a vaquejada e a tornava prática desportiva e cultural no estado. Para os ministros do Supremo, havia “crueldade intrínseca” com os animais durante as provas. Foi após essa decisão que o agronegócio se movimentou para aprovar a emenda constitucional de 2017. Por isso, há precedentes para diferentes decisões judiciais. O único conjunto de regras que existe foi proposto pela própria Confederação Nacional do Rodeio, e aprovado pelo Ministério da Agricultura em 2018.

Há pelo menos seis ações que contestam rodeios e vaquejadas tramitando na Justiça de São Paulo: em São Pedro, Itatiba, Pindamonhangaba, Arealva, Jacareí e São Roque. Em Minas, o Instituto Protecionista SOS Animais e Plantas havia conseguido uma liminar, no fim de agosto, proibindo todo o calendário de rodeios até o final do ano. Três dias depois, porém, a liminar foi derrubada. Ainda cabe recurso.

— É comprovado que não tem como haver rodeio sem dor e sofrimento dos animais, que são submetidos a essa forma de entretenimento humano. O entendimento do STF sobre vaquejada também vale para os rodeios — defende Francisco José Garcia, advogado do instituto. — Quando derrubaram a liminar, alegaram prejuízo ao erário, mas não deram detalhes. Os eventos são privados, e nós comprovamos maus-tratos em pareceres técnicos.

Um dos pareceres citados por Garcia foi feito a partir de uma ação judicial contra a vaquejada Maria do Carmo, em Serrinha (BA), em 2017. Na época, o departamento de Zootecnia, Ciências Agrárias e Veterinária da Unesp constatou, em seu relatório, que é “inconcebível supor que a realização das provas de vaquejada não cause sofrimento e nem dor aos bovinos”.

Bois mancando

Foram feitas avaliações presenciais nos eventos pelo departamento da Unesp. No momento de preparação para a prova, foram atestadas falhas nas contenções dos bovinos, ocasionando pancadas sobre os animais por causa das porteiras. Durante a prova, que consiste na tentativa de dois peões derrubarem os bois, os técnicos observaram situação de estresse e desconforto, em comportamento indicativo de medo e ansiedade, além das agressões físicas. Os bois, que pesam entre 360 e 480 kg, são derrubados pela tração e torção da cauda, no torneio.

Após a prova, os técnicos viram que três dos 10 bois mancavam. Além disso, um não conseguia apoiar uma das patas no chão, e um quinto tinha sangramento em uma das patas.

Advogada especialista em direito animal, Claudia Nakano diz que a proteção pela emenda constitucional às práticas de manifestação cultural é subjetiva, que demanda regulamentações próprias pelos estados e municípios. Nakano afirma que seria necessário uma lei nacional para tratar objetivamente o tema e lembra que há uma proposta parada na Câmara Federal para o Estatuto dos animais.

No país, é considerado referência o Código de Direito e Bem Estar Animal, da Paraíba, que garantiu direitos aos animais, como à alimentação e de ser assistido por veterinário. O assunto, porém, foi parar no tribunal, após uma ação de inconstitucionalidade, o que anulou 152 dispositivos. No entanto, Francisco Garcia, que redigiu o estatuto junto ao instituto, diz que a legislação permanece garantindo avanços para a pauta, pois possui 197 artigos, com diversos incisos.

Procurada, a Confederação Nacional de Rodeio, disse que, entre os seus eventos credenciados, não houve qualquer proibição, pois todos “cumprem integralmente a Lei Federal 13.873/2019 e também o Regulamento de Boas Práticas e Bem Estar Animal aprovado junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”. A confederação diz que o regulamento já provê conjunto de normas e procedimentos para os eventos, o que garantiria “absoluta segurança e integridade física aos animais participantes”. A prefeitura de Sorocaba e o governo de Minas não responderam.

Por Lucas Altino

Fonte: Yahoo! Notícias

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