Carne bovina cultivada chega às prateleiras de mercados dos EUA enquanto a indústria da carne atinge um impasse

Carne bovina cultivada chega às prateleiras de mercados dos EUA enquanto a indústria da carne atinge um impasse

A carne bovina cultivada em laboratório deve finalmente chegar aos mercados dos EUA este ano, e seus desenvolvedores dizem que isso trará “mudanças reais” para a indústria da carne e seu impacto ambiental. O anúncio é feito no momento em que o governo dos EUA promete US$ 1 bilhão para reduzir os crescentes preços da carne no país e incentivar a concorrência no mercado.

A FoodIngredientsFirst conversou com Didier Toubia, CEO e cofundador da startup israelense de carne cultivada, Aleph Farms. Ele diz que 2022 será um momento crucial para o setor, que segundo ele está prestes a interromper a pecuária tradicional global baseada em abate.

O empresário fala sobre questões de longa data de aceitação do consumidor, competitividade de custos, políticas e regulamentações, bem como os benefícios ambientais do que está projetado para ser uma indústria de US$ 630 bilhões nos próximos oito anos.

“Hoje, formuladores de políticas, educadores, fornecedores de alimentos e consumidores estão em um impasse, e precisam de uma solução inclusiva que una e conduza o mundo rumo a um ecossistema de carne mais sustentável”, ressalta Didier.

Briga com a indústria de carne bovina

Nove anos depois que o farmacologista holandês Mark Post, diretor científico da Mosa Meat, apresentou o primeiro hambúrguer de carne cultivada do mundo, Didier Toubia diz que, dependendo da aprovação regulamentadora, os bifes cultivados e cortados finos da Aleph Farms estarão disponíveis para os clientes até o final de 2022. “O mercado norte-americano é um mercado prioritário e estamos trabalhando em estreita colaboração com as agências reguladoras para fazer isso acontecer”, afirma.

 Bifes sem abate da Aleph Farms, previstos para disponibilidade pública ainda este ano.
A carne de laboratório deveria ser priorizada para assegurar o sistema alimentar dos EUA, diz Aleph Farms.

A revelação sobre a comercialização pendente de carne cultivada ocorre após a decisão do presidente dos EUA, Joe Biden, de alocar US$ 1 bilhão para a indústria de carne bovina dos EUA. A iniciativa é uma tentativa de reduzir os preços inflacionados da carne e incentivar a concorrência no mercado, visto que quatro grandes frigoríficos agora controlam quase toda a indústria do país.

No entanto, em vez de tornar baratos para os consumidores os custos da carne de animais abatidos, Didier Toubia diz que o governo deveria se concentrar na incorporação de novas tecnologias capazes de reduzir a pegada ambiental e a crueldade animal associada à criação industrial de animais para consumo.

“Mais do que quebrar monopólios, mudanças reais em nosso sistema alimentar serão alcançadas à medida que incorporarmos uma variedade maior de opções alimentares saudáveis e sustentáveis, especialmente as que usam menos de nossos recursos naturais já limitados. A produção de carne cultivada em laboratório pode e deve ser incorporada aos sistemas agrícolas e de produção de carne hoje existentes”, destaca ele.

O verdadeiro preço da carne

Do ponto de vista produtivo e operacional, um dos grandes desafios da carne cultivada é a capacidade de produzir grandes quantidades de forma eficaz a um custo compatível com o da indústria de carne convencional, explica Didier.

No entanto, estima-se que o verdadeiro custo dos produtos tradicionais de carne seja muito maior do que os que vemos nos mercados. De acordo com um estudo publicado na Nature, em 2020, se os custos das emissões de gases de efeito estufa (GEE) fossem contabilizados, teria que ser aplicada uma sobretaxa de 146% à carne convencional.

Bifes sem abate da Aleph Farms, previstos para disponibilidade pública ainda este ano.
Bifes sem abate da Aleph Farms, previstos para disponibilidade pública ainda este ano.

Toubia diz que a carne cultivada tem o potencial de “reduzir drasticamente a pegada ambiental geral da produção de carne”, reduzindo as emissões de GEE em 92%, o uso da terra em 95% e o uso da água em 78% em comparação com a pecuária intensiva.

Nossos legisladores deveriam abordar essas falhas de mercado ao auxiliar o investimento e a regulamentação de proteínas animais baseadas em células em vez de ajudar a restaurar uma precificação artificial, continua ele. “Temos a oportunidade de ajudar a alimentar o mundo e ainda fazê-lo de uma forma que melhor preserve nossos recursos naturais.”

Corte de gastos

Recentemente, a Aleph Farms fez uma parceria com o fornecedor de tecnologia de proteínas Wacker para desenvolver novas proteínas de meio de cultura baseadas em fermentação, o que elimina barreiras “significativas” relacionadas ao custo para a produção em massa de carne cultivada.

“Isso ajuda a alcançar uma redução significativa no custo das proteínas de meio de cultura, componentes essenciais presentes naturalmente em animais, que representavam uma das despesas mais proibitivas na escala da carne cultivada”, explica Toubia.

Essas proteínas do meio de cultura servem como um substituto para as proteínas encontradas no soro fetal bovino, em que os produtores de alimentos baseados em células têm trabalhado para eliminar da equação da carne cultivada. O acordo também não é exclusivo, e fornece acesso a esse tipo de proteína a qualquer empresa do setor.

Enquanto isso, cada vez mais investimentos ajudam o setor a crescer. O astro de Hollywood Leonardo DiCaprio investiu na Aleph Farms no ano passado, além de ingressar em seu conselho consultivo.

Cultivo da aceitação do consumidor

Toubia diz que os consumidores estão cada vez mais conscientes dos danos causados pela produção tradicional de carne e, consequentemente, cada vez mais abertos à ideia de incluir carne cultivada em suas dietas.

“O consumo de carne tornou-se um dos debates mais controversos da última década. Preocupações relacionadas ao bem-estar animal e o consumo excessivo, bem como às mudanças climáticas e questões de saúde relacionadas à proteína animal têm despertado cada vez mais críticas à forma como a carne é produzida nos sistemas industrializados”, afirma ele.

Isso se reflete em pesquisas sobre a postura dos consumidores em todo o mundo. Uma pesquisa recente neste mês mostrou que um terço dos consumidores do Reino Unido estão dispostos a experimentar carne cultivada.

A Food Standards Agency do Reino Unido descobriu que dois em cada cinco (42%) dos entrevistados alegaram que nada os encorajaria a experimentar carne cultivada em laboratório. No entanto, mais de um quarto (27%) poderiam ser convencidos se soubessem que era seguro comer, e 23% se pudessem confiar que o alimento estivesse devidamente regulamentado.

Por Louis Gore-Langton / Tradução de Alda Lima

Fonte: FoodIngredientsFirst.com

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