Extermínio de cães com leishmaniose não diminui a doença entre humanos, dizem especialistas

Extermínio de cães com leishmaniose não diminui a doença entre humanos, dizem especialistas
Fred Costa: prática da eutanásia por municípios é generalizada (Najara Araujo/Câmara dos Deputados)

A morte de cães que hospedam o parasita causador da leishmaniose, prática comum no Brasil, não se refletiu na diminuição da incidência da doença entre os seres humanos. A conclusão é dos participantes de audiência pública da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara (nesta sexta, 3), que reivindicaram avanços no tratamento dos animais para evitar o extermínio.

A leishmaniose é uma doença causada por um parasita que é transmitido por um inseto conhecido como mosquito palha. É infecciosa, mas não é contagiosa. Se for tratada a tempo, tem cura. No Brasil, a incidência em crianças é alta e cerca de 240 pessoas morrem anualmente em decorrência da doença, em geral vindas das camadas mais pobres da população.

Há dois tipos da doença: o tegumentar, que atinge a pele e as mucosas; e o visceral, mais grave, que compromete órgãos como o baço e o fígado. O Brasil faz parte de um grupo de seis países que concentram 90% dos casos de leishmaniose visceral.

Além do ser humano, são vítimas da doença mamíferos silvestres e domésticos. O cão é o principal hospedeiro do parasita nas zonas urbanas, podendo transmitir a leishmaniose para a população por meio do mosquito.

Segundo o deputado Fred Costa (Patriota-MG), que solicitou a realização do debate, o problema é que, apesar de uma nota técnica do governo autorizar desde 2016 o uso de um medicamento para o tratamento dos cães, a prática da eutanásia pelos municípios ainda é generalizada. “Na medida que nós optamos pela política pública do sacrifício, esses animais não estão tendo a oportunidade sequer de ter o tratamento, desde a opção mais barata até a opção mais complexa”, lamentou.

Durante muitos anos, a incidência da leishmaniose se concentrou na região Nordeste, mas segundo o professor Gilberto Fontes, da Universidade Federal de São João Del Rey, em Minas Gerais, a doença já alcançou outras partes do País.

Ele mostrou resultados de uma pesquisa feita em Iguatama, município de 8 mil habitantes no centro-oeste mineiro. Em 2013, 8,3% dos cães da cidade tinham leishmaniose e sofreram eutanásia. Em 2017, o índice diminuiu para 7,4%, uma diferença estatisticamente irrelevante. “A eutanásia como único programa de controle não foi satisfatório e nós temos outros trabalhos na literatura que mostram que apenas a eutanásia dos cães como programa de controle não vai levar à diminuição de transmissão nas regiões”, ressaltou.

Representante do departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Francisco de Lima Júnior comparou a dificuldade de eliminar a leishmaniose à erradicação da dengue, transmitida pelo Aedes aegypti.

Ele salienta que o Ministério da Saúde está apostando na distribuição de uma coleira com inseticida, método de prevenção da leishmaniose defendido pelos especialistas e já comprou 1 milhão de unidades.

Francisco negou que a prática da eutanásia seja uma prioridade. “A eutanásia é uma opção para aqueles animais com a carga parasitária altíssima e que não podem receber tratamento, colocando em risco não só a saúde humana, mas todos os outros animais que estão ali presentes. Por isso, a eutanásia ainda é uma medida necessária, mas a gente vai ver que ela vai se tornar cada vez menos frequente, pelas estratégias que a gente está adotando”, esclareceu.

Dignidade animal

Alguns debatedores apontaram que a Constituição garante a dignidade animal. Monique Gonçalves, do Ministério Público de Minas Gerais, ressaltou que a eutanásia deve ser a última opção, só quando outras providências tomadas pelo Poder Público não se mostrarem eficazes.

A promotora de Justiça aponta discriminação no tratamento, já que o único remédio aprovado tem custo alto. “Os animais que vivem nas ruas ou com tutores que não têm capacidade financeira já vivem em situação baixa de bem-estar. E aí, eles vão ser duplamente penalizados, sendo mortos por essa circunstância?”, lamentou.

Os participantes da audiência pública se propuseram a elaborar um documento para ser entregue ao Ministério da Saúde com as reivindicações para avançar no tratamento da leishmaniose em cães. Eles também querem ter um encontro com o ministro Marcelo Queiroga para tratar do assunto.

Reportagem – Cláudio Ferreira / Edição – Geórgia Moraes

Fonte: Agência Câmara de Notícias


Nota do Olhar Animal: Além de eticamente indefensável por violar o mais básico dos interesses de um ser senciente, o EXTERMÍNIO de animais para controle de doenças sempre foi denunciado por ativistas como um método tecnicamente ineficaz, equivocado, comodista e incompetente de se lidar com a questão. A Organização Mundial de Saúde (OMS) indica isso há décadas em suas diretrizes e, portanto, não é por falta de conhecimento que essa violência continua ocorrendo. É, sim, por conta da ética rasa dos gestores públicos que contamina o sistema de saúde e ainda prevalece entre os funcionários na maior parte dos centros de controle de zoonoses no país. Ocorre também pela falta de empatia em relação aos animais, pela despreocupação do poder público com os valores que transmite com suas ações. Pessoas que já mataram animais nos centros de zoonoses com o propósito do “controle” da leishmaniose deveriam ser sumariamente afastadas e substituídas por outras, que levassem a este locais um novo paradigma, uma nova cultura, métodos que observem o fato de que os animais não humanos são tão vítimas das doenças quanto os humanos e que merecem o mesmo respeito e cuidados. E, nesta nova ordem, que seja extinto o extermínio, camuflado sob os eufemísticos termos “controle” e “eutanásia”, em uma tentativa cínica de conferir algum valor moral positivo à repugnante matança de animais.

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