Filmagem secreta mostra novilhos da Irlanda sendo espancados e chutados na França

Filmagem secreta mostra novilhos da Irlanda sendo espancados e chutados na França
L214 e Eyes on Animals rastrearam caminhões com carga viva da Irlanda até a França. Mais de 100.000 novilhos são exportados todos os anos através da Europa. - Foto: L214/Eyes on Animals

Vídeo produzido por ativistas mostra o tratamento cruel dispensado a bezerros com semanas de vida, transportados em longas viagens pela Europa para abate.

Filmagens que revelam bezerros irlandeses sendo espancados e chutados na estação de alimentação da França foram publicadas por grupos de ativistas dos animais.

O vídeo, publicado pela organização Eyes on Animals (EoA) e a organização de bem-estar da França, L214, mostra os trabalhadores  golpeando repetidas vezes com bastões novilhos com semanas de vida. Um deles é espancado e outro é arrastado, incapaz de ficar em pé.  O bezerro então foi “eutanasiado” por um veterinário, disse um observador da EoA.

O setor de laticínios da Irlanda, que faturou € 4.4bi (R$ 24,9 bi) com exportações no ano passado, se apoia totalmente nas fazendas de vitela da Europa para a compra de machos indesejados das fazendas de laticínios.  As vacas leiteiras têm que dar à luz bezerros para continuarem a produzir leite, mas os bezerros machos não têm serventia para a indústria: são chamados de “shipping-calves” (novilhos de transporte) pela imprensa da agropecuária irlandesa.

Os últimos dados do órgão nacional de agricultura da Irlanda, Teagasc, mostram que o número de vacas leiteiras no país está um pouco acima de 1.4 milhão este ano, e cada uma delas dará à luz uma vez, com aproximadamente 700.000 bezerros machos nascidos.  Os dados do Ministério da Agricultura mostram que quase 247.000 bovinos foram exportados do país em 2018.

No último mês, ativistas do bem-estar animal seguiram caminhões carregados de gado do porto irlandês de Rosslare até o porto Cherbourg, na França.  Eles documentaram várias infrações contra o bem-estar e o transporte.

As leis da UE obrigam os transportadores de gado a alimentá-lo e dar-lhe descanso após nove horas de viagem, “se necessário”.  Depois de uma segunda viagem de nove horas, ou um total de 18 horas de transporte, o gado deve ser alimentado e deve descansar por 12 horas.

Porém, Lesley Moffat, da EoA, disse que ela e sua equipe testemunharam que, “incluindo o tempo dispendido para mover o gado dentro dos portos, mais uma viagem de barco de cerca de 18 horas, os animais ficaram na estrada por estimadas 23 horas sem leite ou seu substituto, muito acima do máximo legal de 18 horas.”

Os ativistas descreveram o manuseio dos novilhos na chegada a Couville, França, como brutal. “Os quatro caminhões irlandeses transportavam cerca de 1.200 bezerros e, quando chegaram, estavam desesperados por leite. Os trabalhadores ficaram impacientes porque os bezerros não largavam os alimentadores. Novilhos foram chutados e agredidos repetidas vezes, particularmente em volta da cabeça, com bastões. Vimos um deles desfalecer, seja por causa da brutalidade ou pela exaustão e fome.  Ou ambos.”

Há um ano, os dois grupos cobriram maus-tratos a bezerros em outra instalação de alimentação em Cherbourg, a Qualivia. Moffat disse que esses incidentes não poderiam ser ignorados como pontuais.

Um vídeo da Eyes on Animals e da L214 do ano passado mostrou bezerros irlandeses sendo tratados com brutalidade na chegada à França. – Foto: Eyes on Animals/L214

As organizações também argumentaram que a pandemia de Covid-19 jogou luz nas falhas da indústria de laticínios. “A exportação contínua de gado leiteiro irlandês é um pesadelo crescente.  Ela viola uma série de leis da UE e aumenta o risco de infecções e doenças, que são transferidas de um país a outro. Não há quarentena automática para os caminhões. Nesta viagem, os motoristas dirigiram de Rosslare à França, passaram pela Bélgica, Holanda, e depois retornaram para casa,” relatou Moffat.

Em uma declaração, o grupo L214 descreveu o transporte de gado como “uma tortura”, em tempos de normalidade, e, durante a pandemia de Covid-19, como uma “total irresponsabilidade.”  O grupo pediu aos ministros da agricultura da UE e da França que “parem urgentemente” o transporte de vitela.

O advogado de outra organização de bem-estar animal, que atualmente prepara um processo para terminar com a exportação de novilhos não-desmamados da Escócia, e possivelmente do restante da UE, concorda com a falha no bem-estar e os riscos de doenças.

“É por isto que solicitamos às cortes escocesas que declarem ilegal a permissão para exportação de bezerros não-desmamados. Se ganharmos a causa, teremos esperança de que haja repercussões por toda a UE,” disse Peter Stevenson, da organização Compassion in World Farming.

Stevenson se disse chocado ao ver os governos da Escócia e do Reino Unido prepararem a defesa das exportações de gado com a ajuda dos advogados do Conselho da Rainha.  Ele relatou que o governo do Reino Unido e Boris Johnson “disseram que ambos queriam acabar com as exportações de animais vivos”, o que torna sua defesa “hipócrita”.

Contatado pelo jornal The Guardian, o diretor da instalação de alimentação onde os maus-tratos foram filmados disse que os atos supostamente apresentados no vídeo não “seriam possíveis”, mas se recusou a fazer qualquer outro comentário. Uma pessoa que atendeu o celular da Qualivia se recusou a se identificar e disse que não tinha mais nenhum outro comentário sobre o vídeo de maus-tratos do ano passado.

O grupo de ativistas L214 pediu que a UE terminasse com os transportes de vitelos durante a crise do coronavírus. – Eyes on Animals/L214

O Departamento de Alimentação e Agricultura e a Marinha da Irlanda enviaram um e-mail em que declaram que “continuam as atividades de inspeção/controle e que certificam as fazendas e os setores alimentícios, e respeitam as diretrizes do serviço público de saúde irlandês (HSE) referentes à higiene e aos protocolos de distanciamento social.

Na declaração também disseram que se “há evidência de inobservância nas dependências na França, qualquer pessoa com estas evidências deveria encaminhar o material imediatamente à atenção das autoridades francesas, que podem investigar/responder conforme o necessário.”

Até o momento desta publicação, o ministro da agricultura da França não havia respondido aos pedidos de comentários.

Tradução de Sônia Zainko

Fonte: The Guardian


Nota do Olhar Animal: A violência do criador de animais para a produção de laticínios revelada nesta matéria é terrível e inaceitável, mas é apenas um AGRAVANTE em relação ao dano maior, naturalizado pela indústria frigorífica e aceito por muitas pessoas, que é o ABATE. O sofrimento imposto cotidianamente aos animais nas “linhas de produção” de carne ou fruto de negligência não é menos repulsivo e imoral do que a violação do principal interesse dos animais, que é o interesse em viver.

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