Impacto dos fogos de artifícios sobre os animais

Impacto dos fogos de artifícios sobre os animais

Dia da Fraternidade Universal, Dia Mundial da Paz, o globo terrestre completa mais uma volta em torno do Sol, e em quase todo o planeta as pessoas celebram a data como o primeiro dia do ano, remontando à reforma do calendário organizada por Júlio César em 45 A.E.C.

Seis meses depois ainda comemoramos as antigas festividades pagãs que celebravam o fim da primavera e início do verão no hemisfério norte, que homenageavam os deuses da natureza e da fertilidade e que pediam fartura nas colheitas, agora transformadas no Brasil nas festas de Santo Antônio, São Pedro e São João, no conjunto conhecidas como Festas Juninas.

Essas festas, hoje católicas, ainda mantêm muito de seu passado em suas comemorações, com grande consumo de produtos agrícolas, em especial o milho, casamentos simulados como forma de celebrar a fertilidade, e o acendimento de fogueiras.

Trata-se, porém, de uma contradição, que dias reservados para celebrar a paz e a fraternidade universais ou dias alegres que nos recordam as dádivas da natureza sejam comemorados, em sua maior parte, com atos de agressão para com outras formas de vida.

Não me refiro aqui, neste momento, aos milhões de animais abatidos para serem ritualmente consumidos em celebrações familiares diversas (e aqui uso o termo “ritualmente” não em um contexto religioso, pois tanto o Ano Novo quanto as Festas Juninas já se tornaram comemorações seculares, mas sim que muitos as tomam como tradições e práticas que não podem faltar, e de fato o consumo de produtos de origem animal aumenta significativamente nestas épocas do ano).

Refiro-me, mais precisamente, aos espetáculos pirofóricos que marcam estes eventos e, mais especialmente ainda, ao estampido que os acompanha.

A invenção dos fogos de artifício

Conta a história que, tentando criar o elixir da longa vida, alquimistas chineses do século IX misturaram enxofre, salitre e carvão. A mistura acidentalmente explodiu. Estava inventada a pólvora.

Mais tarde se teve a ideia de canalizar essa explosão para o alto e adicionar diferentes sais que confeririam à explosão colorações diferentes. Por exemplo, adicionando-se sais de sódio havia uma explosão amarela; adicionando-se sais de cálcio, tinha-se uma explosão laranja; adicionando-se sais de arsênio ou potássio, tinha-se a cor azul; adicionando-se sais de cobre ou de bário, tinha-se a cor verde; magnésio ou alumínio produziam a cor branca; ferro a cor dourada; estrôncio ou lítio, a cor vermelha… Estavam inventados os fogos de artifício.

Os chineses também perceberam que adicionando uma lança ou bolas de metal à ponta do cano, acendendo e direcionando esse cano para seus inimigos eles conseguiam matá-los. Estavam inventadas as armas de fogo.

E mais tarde ainda teve-se a ideia de colocar essa mistura em vasos com esferas metálicas e deixá-los no campo inimigo, pois isso produzia fragmentos de explosões em todas as direções. Estavam inventadas as bombas.

Juntamente com a bússola, o papel e a xilogravura, a pólvora é tida como uma das quatro invenções mais importantes da China antiga.

Uma macro agressão

A tradição de soltar fogos de artifício no Ano Novo, nas Festas Juninas, nas competições esportivas e em outros eventos é extremamente prejudicial para animais e alguns grupos de pessoas.

Aqueles que sofrem de Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou com outros transtornos de processamento sensorial são bons exemplos de seres humanos impactados negativamente pelos fogos de artifício com estampido, pois são pessoas especialmente sensíveis a sons altos, que podem ter seus sentidos excessivamente estimulados ou sobrecarregados, podendo perder o controle ou entrar em pânico durante essas queimas.

Com efeito, 63% dos autistas não suportam estímulos sonoros acima de 80 decibéis1. A explosão de fogos de artifício pode alcançar intensidade de 150 a 175 decibéis.

O som ambiente alto é processado por essas pessoas de uma forma confusa, como se todos os sons fossem percebidos de uma única vez; a pessoa não consegue focar sua atenção em nenhum som específico e modula-lo. Isso acaba criando uma desorganização espacial, uma desorientação.

Pessoas autistas que apresentam hipersensibilidade aos sons, quando expostas a estas explosões, podem desenvolver angústias, medo e ansiedade de médio e longo prazo, além de agressividade, contra outros ou contra si mesmas (a pessoa pode se bater, se arranhar…).

Ainda que explicando e antecipando o que está para acontecer, ainda que provendo-lhes fones de ouvido, os barulhos, estrondos e explosões não são processadas de forma simples por essas pessoas.

Para o caso de animais – cães, gatos, aves, cavalos, animais silvestres… – a situação pode ser considerada ainda mais crítica, pois diferente de pessoas autistas, animais não podem compreender explicações ou serem antecipados com relação àquilo que está por vir.

A audição de cães e gatos é muito mais sensível e aguçada que a audição humana, sendo sua capacidade auditiva até quatro vezes superior à nossa.

Além disso, o ouvido humano é capaz de perceber sons de frequências entre 20 Hz e 20 000 Hz. Cães, por exemplo, começam a escutar sons a 15 Hz, mas podem escutá-los até 40.000, ou talvez 60.000 Hz. Seu espectro audível é muito maior. Gatos escutam ultrassons de 80.000 a 100.000 Hz.

Significa que muitos dos sons que consideramos infrassons ou ultrassons, por serem agudos ou graves demais para serem percebidos dentro da faixa de frequência que conseguimos perceber, são perfeitamente percebidos por outros animais.

Cabe aqui uma explicação; primeiramente falamos em decibéis e capacidade auditiva, e posteriormente falamos em Hz (Hertz) e espectro audível. Trata-se de coisas diferentes. Os decibéis medem a intensidade sonora, a magnitude, a altura do som; os hertz medem sua frequência, quantos ciclos tem uma onda sonora em um segundo.

Uma frequência baixa, ou seja, com poucos ciclos por segundo, entre 20 e 200 Hz, são percebidos por seres humanos como os sons mais graves (a voz masculina ou o som do trombone). Por outro lado, uma frequência alta, ou seja, muitos ciclos por segundo, entre 5.000 a 20.000 Hz, são os sons mais agudos (a voz feminina ou o som de pássaros).

Nós humanos podemos ignorar uma fonte que emita sons de intensidade de 80 decibéis mesmo que estejamos ao lado dela, simplesmente porque a frequência de ondas por segundo não correspondem à faixa à qual podemos captar.

Mas animais que possuem o espectro audível mais amplo perceberão o que para seres humanos são infrassons (abaixo de 20 Hz) e ultrassons (acima de 200 Hz), que não necessariamente serão sons baixos, porque não há correlação entre a frequência e a intensidade do som.

Ora, dentro da faixa de frequência que podemos perceber os sons não haverá grande diferença entre o que o cão e o ser humano estarão escutando. Claro que animais possuem audição melhor e isso amplificará o som, mas não é verdade que seus ouvidos “doem” por causa de sons altos.

O que ocorre é que animais são mais instintivos e menos racionais, e evitar ruídos muito altos guarda relação com seu instinto de sobrevivência. Em condições naturais, sons e vibrações altas costumam indicar algum tipo de perigo real. Sons de predadores, tempestades com raios, erupções vulcânicas… e junte-se ao som o fato de que os animais não conseguem entender a origem dos fogos de artifício. A reação natural mais comum dos animais é fugir e tentar se esconder.

Durante a queima de fogos, animais podem apresentar sinais graves de estresse, agressividade e ansiedade. Podem ficar agitados, se debater, vindo a se machucar, podem ser atropelados tentando fugir. Aves podem se atirar violentamente contra as grades de gaiolas, cães podem se enforcar em correntes, caso estejam presos a elas, arrancar as unhas das patas arranhando a porta ou se cortar e dilacerar tentando passar entre grades e portões. Cães e gatos podem se atirar pela janela de apartamentos. Em casos mais extremos, animais podem sofrer crises convulsivas ou infartos

Uma micro agressão

Conforme dito, diferentes compostos são adicionados aos rojões para produzir o espetáculo de cores, entre eles sais de arsênio, cobre, bário, alumínio, ferro, estrôncio e lítio. Após a deflagração dos fogos estes sais vem a se depositar sobre a pele ou sobre alimentos e água que serão posteriormente ingeridos por seres humanos ou animais, podendo contribuir com prejuízos ao meio ambiente ou à saúde humana e animal,

Por exemplo, a cor verde pode ser obtida pela adição de sulfato de bário. Este sal, após decantar sobre alimentos e água, se ingeridos por seres humanos, e dependendo da quantidade, pode alterar o ritmo cardíaco e levar à paralisia, e em alguns casos até à morte. Casos menos graves implicam em episódios de vômito, cólica estomacal, diarreia, dificuldade respiratória, alteração da pressão sanguínea, adormecimento da face e debilidade muscular.

O cobre, que também produz a cor verde, dependendo da quantidade ingerida ou absorvida pela pele de seres humanos pode provocar náuseas, letargia, gastroenterite, dor abdominal, vômito, diarreia, anemia hemolítica aguda, dano renal e dificuldade de urinar (anuria) e, em casos mais extremos, pode levar à morte. Especialmente em crianças o cobre, se ingerido com alimentos ou água, pode causar danos ao fígado.

O arsênico, que também produz a cor azul, é um verdadeiro veneno celular, levando a um aumento da permeabilidade capilar, fragmentação da bainha mielínica e infiltração gordurosa do fígado. O contato direto com esse elemento químico pode provocar o aparecimento de feridas que não cicatrizam na pele, gangrena, danos aos órgãos vitais, câncer e morte.

A cor vermelha é obtida com sais de lítio, que pode estar relacionado ao comprometimento dos rins e do sistema nervoso central, com todos os problemas decorrentes (fraqueza muscular, perda de coordenação motora e equilíbrio, inconsciência, coma, convulsões, espasmos, colapso cardiopulmonar), além de alterações eletrocardiográficas.

O estrôncio, também relacionado à cor vermelha, pode estar relacionado à desestabilização dos principais componentes ligados à formação dos ossos, ocasionando em osteoporose.

Outros metais pesados, como o ferro e o alumínio, produzem respectivamente a cor dourada e prateada, sendo conhecidos seus efeitos prejudiciais ao meio ambiente..

Além disso, a queima de fogos de artifício forma, logo acima da cabeça das pessoas que estão assistindo ao show, dioxinas e furanos, que possuem conhecido efeito carcinogênico, além de efeitos negativos à função reprodutiva e no desenvolvimento, provocam deficiência imunológica, disrupção endócrina (incluindo diabetes mellitus, níveis de testosterona e do hormônio da tireoide), danos neurológicos incluindo alterações cognitivas e comportamentais em recém-nascidos de mães expostas à dioxina, danos ao fígado, elevação de lipídios no sangue, aumento de risco para doenças cardiovasculares e danos à pele.

Isso tudo significa que, mesmo fogos de artifício sem estampido, aqueles que produzem apenas efeitos visuais podem trazer alguma forma de contaminação ambiental que, além disso, pode também trazer malefícios à saúde humana.

Tentativas de amenizar o problema

Pode-se tentar amenizar os efeitos negativos da queima de fogos fechando-se os animais em locais seguros e confortáveis, que de alguma forma recebam menos ruídos. Nestes ambientes os animais poderão se sentir menos agoniados, mas é importante que os tutores permaneçam juntos deles, para que se sintam menos sozinhos e desamparados. Se possível, os tutores poderão abraçá-los para que se sintam mais protegidos. Estes ambientes fechados diminuem, ao menos, os riscos dos animais se ferirem tentando escapar.

Portas, janelas e cortinas fechadas diminuirão os ruídos e a entrada de luz, uma música ambiente relaxante, brinquedos, carinho e petiscos podem ajudar a tentar distrair os animais, mas a verdade é que, da mesma forma que ocorre com seres humanos autistas, esses paliativos se mostram efetivos apenas eventualmente.

Alguns tutores poderão querer recorrer a sedativos ou tranquilizantes, como a acepromazina, mas isso pode envolver riscos de superdosagem ou de hipersensibilidade do animal a algum dos componentes da fórmula.

O ideal, tanto com relação ao estampido quanto às questões relacionadas à poluição ambiental e possibilidade de intoxicação de seres humanos e animais, seria que essas comemorações fossem realizadas sem a utilização de fogos de artifícios.

Nota:

1 Hipersensibilidade auditiva no transtorno do espectro autístico https://www.scielo.br/j/pfono/a/Sdgb8F9HJXp8yNjVsNgp5Qh/?lang=pt

Por Sérgio Greif

Fonte: Olhar Animal

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