MP recomenda que prefeito vete projeto que regulamenta rodeios em São Carlos, SP

MP recomenda que prefeito vete projeto que regulamenta rodeios em São Carlos, SP

Os promotores Sérgio Domingos e Flavio Okamato encaminharam documento ao prefeito Airton Garcia onde recomendam que o mandatário vete o projeto aprovado pela Câmara Municipal que dispõe “sobre as normas para regularização de rodeios no âmbito do Município de São Carlos/SP, priorizando o bem-estar animal, suplementando no que couber a legislação estadual e federal vigente e dá outras providências”. O projeto foi aprovado no dia 25 de outubro de 2022.

Segundo os promotores, o referido Projeto de Lei foi aprovado em caráter de urgência, sem qualquer justificativa plausível, com o nítido propósito de evitar o necessário debate com a população de São Carlos e as análises de Comissões da Câmara Municipal (de Constituição e Justiça e do Meio Ambiente) e do COMDEMA, contrariando, inclusive, o resultado da consulta pública realizada pela própria Câmara Municipal, na qual 80% da população de São Carlos sinalizou não ter interesse na realização de rodeios no Município.

O MP alega que ao regulamentar a realização de rodeios no âmbito do Município, definindo e criando obrigações de ordem administrativa, orçamentária e fiscalizatória ao Executivo Municipal, a Câmara Municipal violou o princípio constitucional da reserva da administração, que impede a ingerência normativa do Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência político-administrativa do Poder Executivo.

A promotoria explica que ao regulamentar a realização de rodeios no âmbito do Município, definindo e criando obrigações de ordem administrativa, orçamentária e fiscalizatória ao Executivo Municipal, a Câmara Municipal violou o princípio constitucional da reserva da administração, que impede a ingerência normativa do Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência político-administrativa do Poder Executivo; e que, ainda, que a pretexto de normatizar a realização do evento no âmbito do Município de São Carlos e complementar as legislações Estadual e Federal, a Câmara Municipal usurpou competência constitucionalmente definida, objetivando a proteção de interesses exclusivamente privados, que jamais devem ser privilegiados pelo Poder Público (em sentido amplo) em detrimento da proteção aos interesses transindividuais;

Permissão

Diz o ofício do MP: “ao permitir expressamente a realização de rodeios de animais, provas equestres e similares, dentre elas montaria em touros e cavalos, prova de três tambores, “Team Penning”, “Work Penning”, provas de rédea e rodeio em touros, contemplando o uso de apetrechos como sedém e esporas, a Câmara Municipal incorporou práticas cruéis e contrárias ao sistema constitucional, em claro e vedado retrocesso ambiental; que apetrechos como o sedém e as esporas, independentemente do material em que sejam fabricados, não perdem suas características e finalidades, respectivamente, de causar pressão contra os corpos dos animais e de permitir sua dominação mediante a inflição de dor ao animal, o que viola, diretamente, os artigos 170, inciso VI, e 225, ambos da Constituição Federal;

CONSIDERANDO que o órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em decisão recente, declarou inconstitucional lei do município de Sorocaba/SP que permitia a realização de rodeios de animais e provas que infligem sofrimento a animais, com fundamento, inclusive, no princípio da vedação do retrocesso ecológico (ADI n° 2021862- 27.2022.8.26.0000);

CONSIDERANDO que o exercício de direitos culturais, a promoção de lazer e a consecução benefícios de ordem econômica não podem ser alcançados a qualquer custo e devem ser compatíveis com os direitos fundamentais supraindividuais, impondo-se a observância ao artigo 225 da Constituição Federal, sob pena de afronta aos desideratos constitucionais protecionistas;

CONSIDERANDO, outrossim, que as disposições contidas no Projeto de Lei nº 619, além apresentarem vícios formais e materiais de inconstitucionalidade, também contrariam outras normas municipais em vigor, em especial a Lei Municipal n° 18.059/2016 (Código Municipal de Proteção Animal), que em seu artigo 5° incorporou no âmbito Municipal as disposições da “Declaração Universal dos Direitos dos Animais” e da “Declaração de Cambridge”, sobre a senciência em animais não humanos, e que, em seu artigo 6°, proíbe e tipifica as condutas caracterizadoras de maus-tratos aos animais;

CONSIDERANDO que atos atentatórios aos direitos dos animais, ainda que de lesividade mínima ou embasados em fundamentos estritamente antropocêntricos, não mais encontram respaldo em nosso ordenamento jurídico, dada a sua natureza difusa;

CONSIDERANDO que a realização desses eventos e provas, fundadas na subjugação e maus tratos dos animais, não pode ser admitida nem amparada sob a justificativa de prática cultural, lazer, ou fomento da economia, sendo de rigor a proibição de práticas diretas e indiretas, explícitas ou implícitas, que atentem contra a integridade física e psíquica dos animais;

CONSIDERANDO que compete ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, nos termos dos artigos 127 e 129, inciso III, ambos da Constituição Federal;

CONSIDERANDO, por fim, que o mencionado Projeto de Lei, embora aprovado, ainda está pendente de sanção ou veto por parte do Chefe do Executivo Municipal,

RECOMENDA ao Exmo. Sr. AIRTON GARCIA FERREIRA, Prefeito do Município de São Carlos/SP, que, no uso de suas atribuições e prerrogativas legais, vete o projeto de lei n° 619 (Processo CM n° 4050/22), que possui inconstitucionalidades formais e materiais, além de conflitar com disposições do Código Municipal de Proteção Animal e de ter sido aprovado em injustificado regime de urgência, sem ser submetido às Comissões da Câmara Municipal e ao COMDEMA, contrariando a vontade popular manifestada em consulta pública.

Caso o referido projeto de lei seja sancionado, o Ministério Público encaminhará representação ao Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo para ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Requer-se, respeitosamente, o envio de resposta escrita e fundamentada, no prazo de 05 (cinco) dias, quanto ao acolhimento ou não da presente recomendação, tendo em vista o exíguo prazo para sanção ou veto ao famigerado projeto de lei”.

Por Renato Chimirri

Fonte: São Carlos em Rede

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