O comércio ilegal de macacos de estimação no Peru também é uma ‘rodovia’ carregando infecções

O comércio ilegal de macacos de estimação no Peru também é uma ‘rodovia’ carregando infecções
Primatas traficados podem transmitir virus, parasitas e outras bactérias por toda a rota do tráfico. Imagem cortesia de Patricia Mendoza/Neotropical Primate Conservation–Peru.

• Um estudo recente descobriu que os macacos traficados no Peru transmitem vírus, parasitas e bactérias aos seres humanos ao longo de toda a rota do tráfico.
• Esses patógenos podem causar tuberculose, doença de Chagas, malária, doenças gastrointestinais e outras doenças em humanos.
• As pessoas diretamente envolvidas no tráfico ilegal de vida selvagem são as que correm maior risco de infecção; no entanto, as alterações climáticas estão aumentando as possibilidades de uma transmissão comunitária mais ampla.
• Após uma breve pausa durante a pandemia da COVID-19, o comércio ilegal de macacos está novamente em pleno andamento no Peru, com a maioria dos animais vendidos acabando como animais de estimação nas famílias locais.

No Mercado de Belén, na cidade de Iquitos, no nordeste do Peru, macacos capturados ilegalmente na Floresta Amazônica são vendidos como animais de estimação, ao lado de frutas e vegetais. Os primatas são mantidos em gaiolas apertadas e em contato próximo com outros animais, pessoas e lixo – condições ideais para contrair e transmitir doenças.

Mas mercados como Belén são apenas o começo, de acordo com um artigo recente publicado na PLOS ONE. Os macacos continuam a transmitir vírus, parasitas e bactérias ao longo de toda a rota do tráfico, mesmo quando chegam ao seu destino final em residências, ou centros de resgate e jardins zoológicos, caso as autoridades locais os apreendam.

Os cientistas estimam que centenas de milhares de primatas são capturados e traficados anualmente no Peru. Embora alguns sejam comercializados por alimentos, artefatos e remédios, a maioria é vendida viva e localmente como animais de estimação. De acordo com uma pesquisa recente da World Animal Protection, 40% dos peruanos que vivem nas cidades admitiram comprar animais selvagens como animais de estimação.

Quando as autoridades locais confiscam macacos traficados, estes são levados para jardins zoológicos e centros de resgate. Imagem cortesia de Patricia Mendoza /Neotropical Primate Conservation–Peru.
Quando as autoridades locais confiscam macacos traficados, estes são levados para jardins zoológicos e centros de resgate. Imagem cortesia de Patricia Mendoza /Neotropical Primate Conservation–Peru.

As espécies traficadas mais populares são os micos (dos gêneros Saguinus e Leontocebus) e os macacos-esquilo (Saimiri), que são vendidos por apenas 10 dólares. No outro extremo da escala, espécies como o macaco de Goeldi (Callimico goeldii) são procuradas no mercado negro internacional e podem custar até 900 dólares.

Para o estudo recente, os investigadores testaram 388 macacos que tinham sido traficados ilegalmente em nove cidades peruanas e encontraram um total de 32 agentes patogênicos de doenças no seu sangue, saliva e amostras fecais. Esses patógenos incluíam micobactérias, que causam tuberculose, e parasitas que causam a doença de Chagas, malária e várias doenças gastrointestinais. Combinadas, estas doenças matam mais de 1,4 milhões de pessoas todos os anos em todo o mundo.

“Quando trazemos animais selvagens para as cidades e os colocamos em locais de cativeiro, estamos trazendo consigo vários agentes de doenças”, disse a autora principal do estudo, Patricia Mendoza, que liderou o estudo como parte do Programa Emerging Pandemic Treats – PREDICT da USAID no Peru, e atualmente é pesquisadora do Departamento de Antropologia da Universidade de Washington em St Louis e Conservação de Primatas Neotropicais. “Não são apenas os novos vírus, como o COVID-19, que nos preocupam. Muitas doenças infecciosas conhecidas podem ser facilmente transmitidas através de animais traficados.”

Principais rotas de tráfico para o comércio ilegal de primatas no Peru. Mapa cortesia de Shanee et al.
Principais rotas de tráfico para o comércio ilegal de primatas no Peru. Mapa cortesia de Shanee et al.

Os macacos testados nas feiras livres ainda carregavam hemoparasitas encontrados na Floresta Amazônica, incluindo o parasita causador da malária. No entanto, à medida que os macacos foram transferidos para outros locais de contrabando, adquiriram outros agentes patogênicos, como a bactéria resistente a antibióticos Shigella sonnei, que nas pessoas pode causar diarreia com sangue, febre e dores de estômago.

Ao longo de toda a rota do tráfico, os seres humanos expostos a estes animais estiveram em constante risco de infecção. “Nestes mercados circulam milhares de pessoas e há um alto risco de transmissão”, disse Mendoza à Mongabay. “Mas nas famílias as pessoas dormem [com], abraçam e beijam macacos. O contato um a um é muito próximo, colocando essas famílias em risco.”

Mapa do Peru mostrando a localização dos mercados que vendem permanentemente vida selvagem viva (pinos vermelhos) ou apenas animais domésticos (pinos verdes). Mapa cortesia de Mendoza et al.
Mapa do Peru mostrando a localização dos mercados que vendem permanentemente vida selvagem viva (pinos vermelhos) ou apenas animais domésticos (pinos verdes). Mapa cortesia de Mendoza et al.

Mesmo os zoológicos e centros de resgate, para onde os primatas são frequentemente levados quando confiscados pelas autoridades locais, não estão livres de contaminação. “Eles estão fazendo o possível para manter os animais saudáveis e bem cuidados. Mas as infecções são comuns, não importa quanto ênfase seja colocado na triagem de parasitas”, disse Mendoza.

Embora os investigadores inicialmente tenham testado aves e tartarugas, os macacos destacaram-se como uma via de transmissão particularmente perigosa. Eles estão entre os animais mais traficados no Peru e seu DNA é, em média, 96% idêntico ao dos humanos. Isso os torna mais propensos do que outros animais a transmitirem doenças que podem afetar os humanos.

As alterações climáticas aumentam o risco de transmissão zoonótica

Os cientistas dizem que os traficantes de vida selvagem e as suas famílias correm maior risco de contrair doenças de macacos traficados. Eles são comumente mordidos, arranhados e expostos às fezes dos animais. Um padrão de transmissão semelhante foi encontrado entre caçadores na Amazônia peruana que interagem estreitamente com a vida selvagem.

No entanto, os primatas infectados podem disseminar doenças de forma mais ampla. Eles carregam parasitas que os mosquitos podem pegar e espalhar para a comunidade vizinha. A febre amarela, a leishmaniose cutânea e até novas cepas de malária são transmitidas dessa forma.

Os micos são animais de estimação populares entre os peruanos e podem ser comprados por apenas US$ 10. Imagem cortesia de Patricia Mendoza/Neotropical Primate Conservation–Peru.
Os micos são animais de estimação populares entre os peruanos e podem ser comprados por apenas US$ 10. Imagem cortesia de Patricia Mendoza/Neotropical Primate Conservation–Peru.

“Esta é uma questão de saúde pública”, disse Alessandra Nava, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, o principal instituto de pesquisa em saúde pública do Brasil. “O comércio ilegal de vida selvagem está forçando os animais a viver fora da sua área de habitat, onde estão introduzindo todo um reservatório de novos vírus, bactérias e parasitas.”

O risco de transmissão através de mosquitos está acelerarando devido às alterações climáticas. À medida que as temperaturas sobem, os mosquitos avançam para novas áreas, tornando-se mais ativos e incubando mais doenças. Só no Peru, a população de mosquitos explodiu nos últimos anos, alimentando uma propagação alarmante da dengue.

Macacos também em risco

A troca de patógenos com humanos também ameaça os macacos apanhados no comércio ilegal de animais de estimação. Novas doenças podem afetar espécies já ameaçadas pela caça e pela perda de habitat, incluindo o macaco-de-Goeldi, classificado como vulnerável na Lista Vermelha da IUCN.

Se primatas infectados forem reintroduzidos na natureza, também existe a possibilidade de transmitirem essas doenças para outras espécies.

O tráfico de vida selvagem prejudica os primatas de muitas outras maneiras.

A pesquisadora Patricia Mendoza liderou o estudo que testou 388 macacos traficados no Peru. Imagem cortesia de Fernando Vilchez.
A pesquisadora Patricia Mendoza liderou o estudo que testou 388 macacos traficados no Peru. Imagem cortesia de Fernando Vilchez.

“Quando esses animais são capturados na floresta amazônica, há muito sofrimento e estresse para eles”, disse Roberto Vieto, consultor global de bem-estar animal da World Animal Protection. “Às vezes, os caçadores matam os pais em busca dos bebês que são mais desejáveis no mercado de animais de estimação, e os métodos para matá-los são extremamente cruéis.”

Depois de sequestrados, os macacos fazem longas viagens em pequenas caixas ou gaiolas para não serem detectados pelas autoridades locais. Alguns são levados através da fronteira para o Equador e a Bolívia e contrabandeados para a Europa, China e Estados Unidos. “Muitos não sobrevivem à viagem e há uma alta taxa de mortalidade”, disse Vieto à Mongabay.

Durante a pandemia da COVID-19, os ambientalistas esperavam que o comércio peruano de vida selvagem desacelerasse. Muitos mercados de rua fecharam ou reduziram as operações e os vendedores tornaram-se cautelosos em vender abertamente vida selvagem. No entanto, a calmaria não durou. “O comércio ilegal de vida selvagem voltou ao normal”, disse Vieto, que trabalhou no relatório WAP de 2021 “Negócio arriscado: como os mercados de vida selvagem do Peru estão colocando animais e pessoas em risco”.

Alessandra Nava, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, acredita que o tráfico de animais é uma questão de saúde. Imagem: Arquivo/ Fiocruz Amazônia
Alessandra Nava, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, acredita que o tráfico de animais é uma questão de saúde. Imagem: Arquivo/ Fiocruz Amazônia

Vieto disse estar esperançoso de que a nova legislação finalmente coibirá a atividade ilegal. Desde Novembro de 2022, o tráfico de animais está abrangido pela Lei Contra o Crime Organizado, com penas mais severas. “Já vemos as autoridades prestando mais atenção”, disse Vieto. “Mas precisamos fazer mais para ajudar as pessoas envolvidas no tráfico a terem meios de subsistência sustentáveis que não dependam de ferir animais selvagens”.

Por Carla Ruas / Tradução de Alice Wehrle Gomide

Fonte: Mongabay


Nota do Olhar Animal: Lamentável que as pessoas se importem menos com os impactos para as vítimas primárias, que são os macacos, do que para si próprias. Mas são dão a devida atenção quando a exploração animal pode causar algum dano a elas mesmas. Egoísmo.

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