Perícia confirma maus-tratos e Justiça proíbe rodeio em Morungaba, SP

Perícia confirma maus-tratos e Justiça proíbe rodeio em Morungaba, SP
Foto: Rodrigo Marques/PMM

Uma importante decisão contra o uso de animais em rodeios foi dada pela Justiça paulista. Com base principalmente na perícia judicial solicitada pelos próprios organizadores da “Festa do Peão”, ocorrida em 2023, a juíza da 1ª Vara Cível de Itatiba, SP, condenou a Prefeitura de Morungaba e a empresa promotora do evento, Nélson Uliani Júnior – ME, a não mais realizarem as provas. Também aplicou multas a ambos, que somam R$100 mil.

A ação civil pública foi apresentada à Justiça pela Associação Passofundense de Proteção aos Animais e coordenada pela ativista Mariana Zampieri. Segundo a ativista, a importância se deve ao fato de a decisão se apoiar em uma perícia específica para o rodeio. 

O organizador, contestando os laudos veterinários apresentados pela associação protetora, solicitou à Justiça que fosse feita a perícia judicial, o que se revelou um “coice” contra o próprio rodeio.

Abaixo, segue a transcrição de parte da sentença, em que a juíza Renata Heloisa da Silva Salles aponta conclusões da perita:

A perita nomeada apresentou laudo pericial a fls. 527/537. Identificou que os novilhos foram submetidos a golpes com os pés, bem como estavam em ambiente com som alto e à noite (fl. 531). Apontou que não havia oferta de água à vontade. Indicou que pelo menos um novilho foi ferido devido ao laço. Ainda, haviam animais agitados, identificando-se tentativa de fuga do local (fl. 532). 

Ao analisar foto juntada aos autos, a perita constatou lesão de pele em equino após a prova. Apontou, novamente, falta de oferta de água à vontade. Ao analisar vídeo juntado aos autos, a perita indicou que o carneiro relutou em participar de prova e se jogou no chão. Na foto, o carneiro está deitado e prensado contra a grade da baia, que tem tamanho insuficiente para o número de animais ali contidos. Ainda, apontou, novamente, a falta de oferta de água à vontade.

Identificou que, além de ruídos sonoros durante a prova, havia fogos de artifício (fl. 532). Posteriormente, esclareceu que a perícia foi realizada de forma indireta, de modo que não seria possível comprovar se os fogos de artifício eram silenciosos ou não (quesito nº 06 – fl. 692).

Com relação a fotos de equinos, apontou que os animais estavam com orelhas para trás durante o percurso devido a desconforto. Indicou que havia grande aumento de frequência respiratória observada pelo movimento exagerado de narinas, salivação excessiva e sudorese exorbitante. Apontou que os equinos apresentaram olhos arregalados e boca aberta em fotos, mostrando desconforto com os aparelhos bucais.

Indicou, novamente, falta de oferta de água à vontade (fl. 533). 

A perita explicou que os cavalos com medo apresentam os seguintes comportamentos: recuo, balançar vigoroso da cauda, olhos arregalados, respiração ofegante e narinas dilatadas. Afirmou que se tratam de indícios de sofrimento. Nisso, apontou que o equino da foto 04 a fl. 261 apresentou os mencionados comportamentos. 

É possível observar o mesmo comportamento nas fotos juntadas a fls. 1.116/1.120.

Explicou que o som de música alta, os fogos de artifício e a voz alta do narrador são fatores estressantes aos animais, visto que estão acostumados a viver em ambientes silenciosos e com hábitos diurnos.

Apontou também o comportamento dos touros, que utilizaram sedém na virilha e corda americana no peitoral. Explicou que o motivo dos animais apresentarem o comportamento de corcovear, escoicear no ar e realizar torções do corpo é a dor que sentem quando o sedém é fortemente apertado antes do animal entrar na arena. Explanou que, nessa oportunidade, há forte pressão sobre o prepúcio e pênis, assim como na região da virilha. Quando deixa a arena, há afrouxamento do sedém e corda americana, motivo pelo qual o animal deixa de ter o comportamento inquieto (fl. 534).

Em resposta aos quesitos formulados pelas partes, a perita esclareceu que os instrumentos utilizados nas provas, como sedéns, esporas, freios, bridões, cordas americanas, gamarras e laços, causam dor, sofrimento e lesões nos animais quando manejados com extrema força (quesito nº 01 – fl. 538).

Apontou que o ferimento na pele do novilho causa dor e sofrimento nas duas laçadas que foi submetido (quesito nº 03 – fl. 538). O mesmo ocorreu com os cavalos, segundo a perita (quesito nº 04 – fl. 539).

Indicou que a lesão do equino a fl. 276 se trata de ferida viva e, portanto, de lesão recente. Tendo em vista que os animais foram inspecionados antes das provas, a perita concluiu que se trata de lesão decorrente da prova (quesito nº 27 – fls. 556/557). 

Afirmou que na foto de fl. 285 observou que o equino apresentou sinais de dor, visto que apresenta olhos arregalados e boca aberta, em razão da pressão dos equipamentos bucais (quesito nº 30 – fl. 557).

Em resposta ao quesito nº 34 (fls. 558/559), a perita ressaltou trecho da análise técnica veterinária anteriormente apresentada nos autos. Referida análise indicou que no evento não havia água e comida disponível para os animais, o que poderia causar prejuízo à saúde dos bichos. 

A pontou que não havia área de descanso para os ruminantes e equinos, bem como local de proteção às intempéries. 

A perita mencionou que há necessidade de reparo em quatro pontos a respeito do bem-estar animal (fl. 688): saúde, ambiente, comportamento e nutrição. Concluiu, assim, que há necessidade de modificação da forma como os animais são manejados nos rodeios.

Justificou a constatação de que os animais teriam sofrido com o som alto em razão da inquietação dos novilhos verificada em vídeo (fl. 689). Defendeu que a salivação dos bovinos não teria ocorrido em razão de ruminação, visto que os animais permaneceram em jejum por seis horas antes das provas (quesito nº 23 – fl. 696).

A íntegra da decisão pode ser lida tocando aqui.

Cabe recurso, porém o rodeio fica proibido de ser realizado no mínimo até decisão de tribunal superior.

Fonte: Olhar Animal

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