Pioneira do CED no Brasil faz ação na Chapada Diamantina, BA

Pioneira do CED no Brasil faz ação na Chapada Diamantina, BA

Altas temperaturas, vegetação seca, poucas folhas, muitos espinhos e chuva escassa. Fauna e flora muito distintas, muito diferentes para uma paulistana da gema acostumada a lidar com colônias de gatos que habitam a intensamente urbanizada cidade de São Paulo.

Entretanto, a despeito de todas as dissemelhanças que poderiam dificultar um trabalho de controle ético de gatos de vida livre no sertão baiano, Tatiana S. R. Cunha encarou o desafio e embrenhou-se na caatinga, no coração do Brasil, para zerar uma colônia de gatos. Zerar é como se fala no jargão de quem pratica CED, quando acontece de todos os indivíduos de uma colônia passarem pelo processo e serem esterilizados.

Algumas informações importantes sobre a Tatiana e sobre CED para entender a natureza do trabalho que rolou na Chapada Diamantina.

Tatiana é historiadora, amante de animais e figura presente na Proteção Animal. Ela e Adriana Tschernev são idealizadoras da ONG Confraria dos Miados e Latidos, que no ano de 2007 promoveu na capital paulista as primeiras ações de CED dentro do protocolo estabelecido por ONGs e governos do mundo inteiro.

“Desde o começo, na primeira ação, fomos muito conscientes. Fizemos no padrão como é feito lá fora. Tenho muito nítido isso em minhas lembranças. Desde o primeiro gato. Ele foi capturado, teve a orelhinha marcada e devolvido. A gente tinha o cuidado de mapear as praças para saber quais precisavam ser trabalhadas, além de manter contato com a comunidade que conhecia e alimentava as colônias de gatos. Temos fotos de tudo. Sempre foi tudo bem organizado.” Assim se refere Tatiana aos primórdios do CED no Brasil em matéria do Olhar Animal de 2017, publicação que antecedeu o 1º Seminário Brasileiro de CED, que aconteceu em julho daquele ano, na Casa Prema, em São Paulo.1

Apesar das diferenças regionais e da distância geográfica, o trabalho é o mesmo. O início na Mooca e a presente ação no sertão baiano estão unidos pelo mesmo espírito e pelo mesmo protocolo.

Eu sei que muita gente já sabe, mas é sempre legal explicar. CED é a sigla para captura, esterilização e devolução, método utilizado no mundo inteiro para viabilizar o controle ético e não letal de gatos de vida livre. Em inglês é TNR, trap, neuter and return. O protocolo de CED é extremamente eficiente e funcional, prevê em linhas gerais a captura dos gatos de uma colônia com armadilhas seguras, castração com técnica minimamente invasiva e devolução para o mesmo local onde foram capturados entre 12 e 18 horas após a cirurgia. A marcação na orelha esquerda para identificação dos gatos castrados que vivem na colônia é uma convenção internacional e é muito importante para discerni-los dos ainda não castrados.2

Tatiana esteve na Chapada Diamantina para aplicar o método CED em uma colônia de gatos em outubro de 2019, e abaixo está seu relato inicialmente publicado em sua conta do Facebook. Ele dá a dimensão exata do que foi mais esse trabalho pioneiro, e também do empenho que essa moça tem demonstrado para aprimorar e divulgar no Brasil o método CED.

A essa altura todo agradecimento parece simplório diante de tanta dedicação e amor à arte de lidar de maneira ética e não letal com gatos de colônia. De toda forma, sempre e novamente, obrigado Tatiana por ser uma vanguardista e controlar com coragem e insistência as colônias das cidades e agora do sertão. A gente que ama gato e ecologia te agradece muito porque controle de espécie significa diminuição de sofrimento, conservação da biodiversidade e saúde pública em ordem.

Vamos ao relato.

“Há algumas semanas recebi o convite, partindo de uma grande amiga, para ajudar a executar um projeto de CED (captura, esterilização e devolução) na Chapada Diamantina, sertão da Bahia.

Uma fazenda lindíssima, com gigantesca área de caatinga intocada, um dos lugares mais lindos que já vi na vida. Ali vivem, além de inúmeras espécies, uma colônia de gatos ferais.

Os gatos são bem-vindos na fazenda, mas a reprodução em descontrole é um problema sempre. Por essa razão, e por ter visão de que a coexistência, e não o extermínio, é o segredo, o dono dessa fazenda optou pelo CED. Mas, ninguém lá tinha a menor ideia de como fazer e por isso fui.

Meu principal ponto, além do benefício direto aos animais, era provar que qualquer pode fazer isso. Só precisa de boa vontade e empenho.

Por essa razão não foi a Confraria que seguiu pra lá. Fui eu, sozinha. Não levei nada da estrutura da ONG. Todo o projeto foi executado lá, com material e estrutura que foram adquiridos ou adaptados para isso.

Fiquei uma semana. Fizemos o trabalho de conversar com os sertanejos que trabalham lá, gente muito simples e incrível. Tiraram dúvidas, e o mais importante, acreditaram que podíamos fazer juntos.

Foram de uma generosidade sem tamanho. Participaram com paciência. Me ensinaram muito mais do que eu a eles.

Com o envolvimento de todos, capturamos 21 animais que foram devidamente castrados, vacinados, tiveram suas orelhas marcadas e em seguida foram soltos.

Uma equipe veterinária foi contratada da capital, e em um dia fizeram todas as cirurgias. O custo não foi superior ao que eu própria pago pelas cirurgias em São Paulo.

Num clima e ambiente diferentes de tudo o que já tinha visto, essa colônia foi esterilizada e agora viverá fazendo sua parte na fazenda. Mas, agora, sem procriação descontrolada.

De bônus, testamos por amostragem para FIV e FeLV e eles são livres disso. São gatos fortes, longilíneos, todos tigrados. A isca que foi preciso usar pra captura deles? Feijão. Sim, cada colônia tem suas características e por isso a captura tem imensas chances de sucesso se todos forem envolvidos, especialmente os alimentadores.

Experiência incrível. Nunca vou me esquecer dos dias que vivi lá.

Se eu, capenga, fiz no sertão da Bahia, amigos, qualquer um pode fazer, em qualquer lugar.

CED pode e deve ser replicado, em larga escala, por qualquer pessoa que se disponha a fazer. A essência da técnica é essa: ser pulverizada.

Não espere nem ache que precisa esperar que uma ONG faça. Você pode. Na sua rua, na praça do seu bairro, no sítio da sua família. Simplesmente faça. Não tem desculpa!

Esse projeto “solo” (no sentido de não ter envolvido a ONG) foi para provar que é possível, viável e que todo mundo tem capacidade.

Mesmo se for para fazer uma vez na sua vida, faça.”

Notas

1 PEDROSO, Eduardo. “ONG pioneira na prática de CED participa de seminário sobre o tema em São Paulo.” Olhar Animal, jul, 2017. Disponível em https://olharanimal.org/ong-pioneira-na-pratica-de-ced-participa-de-seminario-sobre-o-tema-em-sao-paulo/

2 MARIA GARCIA, Rita de Cássia. “Corte de orelha para identificação de gatos de vida livre: mutilação ou procedimento necessário?” Revista Clínica Veterinária nº 130, 29, ago, 2017. Disponível em https://bichobrother.org/marcados/

Por Eduardo Pedroso, especial para o Olhar Animal

Fonte: Olhar Animal

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