Opinião: quando criança, testemunhei abusos aos animais depois de ouvir que rodeios eram “minha cultura”. Eu discordo.

Opinião: quando criança, testemunhei abusos aos animais depois de ouvir que rodeios eram “minha cultura”. Eu discordo.
Dois irmãos de Tijuana assistem ao rodeio realizado no Petco Park, em San Diego, no dia 14 de janeiro.

O artigo intitulado “San Diego poderia proibir rodeios. Para membros das tribos locais e charros, isso é uma afronta a sua história e cultura”(25 de fevereiro) implica que a proibição de rodeios seria discriminatória contra pessoas de cor porque não leva em conta a tradição e a cultura. Como uma pessoa de cor, posso dizer que isso é totalmente errado. Cultura e tradição podem ser fontes valiosas de identidade, estabilidade e união, mas também podem perpetuar práticas prejudiciais. Assim como não permitimos crimes de honra neste país, não devemos permitir os chamados “esportes”, como touradas, brigas de galos e rodeios, que abusam de animais em nome da cultura.

Os rodeios têm uma longa tradição neste país. Eles remontam aos dias do “Buffalo Bill’s Wild West” (Oeste Selvagem de Buffalo Bill, em tradução livre), que era mais um show de circo onde os nativos americanos seriam retratados como os “bandidos”, recriando batalhas entre os colonos e os indígenas americanos. Isso se transformou no rodeio moderno, onde o foco é mais uma competição com eventos diferentes (cada um com uma maneira diferente de abuso animal). Em um evento chamado “laçada de bezerros”, os bezerros são laçados pelo pescoço. Bastões elétricos, esporas afiadas e outros dispositivos de tortura são usados para irritar e enfurecer os animais para fazê-los “se curvar” de forma não natural. A indústria de rodeios gosta de repetir que esses animais foram “criados para se curvar”, mas remova todos esses dispositivos de tortura e esses animais não vão “se submeter”.

A indústria de rodeios gosta de dizer que “menos de 0,0005 por cento” dos animais são feridos durante os rodeios. Esta é uma estatística obtida da própria indústria. Essa estatística em proveito próprio ignora os inúmeros ferimentos sofridos pelos animais em rodeios. Por exemplo, no rodeio que ocorreu na Petco em janeiro, o vídeo mostra claramente um bezerro gravemente ferido e um cavalo que ficou criticamente ferido quando colidiu com uma cerca a toda velocidade. No entanto, o relatório do veterinário do rodeio ignorou os ferimentos do bezerro e banalizou o acidente com o cavalo. O status desse cavalo é desconhecido no momento, mas, no que diz respeito ao rodeio, ele seguiu em frente. Mesmo que o cavalo morresse, isso não chegaria a nenhuma contabilidade oficial.

“Charreadas” são rodeios mexicanos. Esses rodeios também impõem as ações mais brutais aos animais em qualquer chamado “esporte”. Uma atividade tradicional em uma Charreada é “El Coleadero” (em inglês, é chamado de “Bull or Steer Tailing”; puxar pelo rabo um touro ou novilho, em tradução livre). É aqui que o cowboy mexicano, ou Charro, tenta marcar pontos montando um cavalo a todo galope, agarrando a cauda do novilho, torcendo-a em volta da bota e puxando o animal pela cauda até que o pobre animal caia no chão. Muitas vezes, eles arrancam as caudas dos touros e esses animais ficam sangrando. Na verdade, isso ocorre com tanta frequência que há um termo para isso: “degloving” (desenluvar, em tradução livre).

Nasci e cresci no Peru até os 8 anos de idade. Quando eu era jovem, minhas tias me levavam para ver as touradas, que eram uma grande parte da nossa cultura. Foi fácil desenvolver uma apreciação por esses eventos: da música que é tocada durante a procissão de abertura da tourada, ao traje elaborado dos matadores, ao rugido daqueles na multidão enquanto gritavam: “Olé!” Quando criança, deixou uma impressão duradoura em mim.

Tudo isso fazia parte da minha cultura até que eu cresci e percebi que todo esse espetáculo só existe ao custo da tortura dos touros. Não apenas matando-os à vista de todos, mas lentamente torturando-os até seu último suspiro agonizante, onde depois, o toureiro receberia uma orelha de touro ou uma cauda, dependendo do desempenho do toureiro naquele dia. Embora isso fizesse parte da minha cultura, ninguém concordaria que deve ser uma tradição a ser mantida.

Embora a cultura e a tradição forneçam bases valiosas para as comunidades, elas não devem ser seguidas cegamente. Quando a cultura e a tradição cruzam a linha do enriquecimento para a destrutividade, não temos obrigação de mantê-la. Charreadas são semelhantes a touradas e brigas de galos, pois fazem parte de várias culturas, mas às custas do abuso animal. A cultura e a tradição nunca devem ser uma desculpa para a crueldade.

Ao celebrarmos Cesar Chavez neste fim de semana, vamos lembrar suas palavras: “Bondade e compaixão para com todos os seres vivos é uma marca de uma sociedade civilizada. Por outro lado, a crueldade, seja dirigida contra seres humanos ou contra animais, não é exclusividade de qualquer cultura ou comunidade de pessoas.”

Por William J. Richter / Tradução de Sônia Zainko

Fonte: San Diego Union Tribune

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