Protetora fala sobre ação em comunidades indígenas e projeto Cão Terapia, interrompido há dois anos em Florianópolis

Protetora fala sobre ação em comunidades indígenas e projeto Cão Terapia, interrompido há dois anos em Florianópolis
Ana Lúcia Martendal com crianças da aldeia indígena do Morro dos Cavalos, onde a OBA! também atua – Foto: Divulgação/ND

Muito antes de se tornar arquiteta e urbanista, ela dedica parte de seu tempo à causa animal. A paixão que brotou ainda na infância, vendo os pais resgatarem e adotarem bichos das ruas, tornou-se engajamento, hoje, institucionalizado por meio da OBA! (Organização Bem-Animal). Em alusão ao Dia Mundial dos Animais (4 de outubro), Ana Lúcia fala sobre a entidade que fundou, preside e viabiliza aos patudos alimentação, tratamento veterinário, castração, carinho e adoção.

Havia animais em casa quando eras criança? Vem desta época a paixão por eles?

Sim, minha família sempre teve animais resgatados das ruas e adotados, e sempre fui uma criança muito empática e compassiva com os animais, daquelas que gostariam de levar todos para casa e cuidar.

Como se deu a criação da OBA!? Qual o seu objetivo primordial?

A Organização Bem-Animal foi registrada como organização sem fins lucrativos em 2008, mas tudo começou através de um projeto, a Cão Terapia, idealizado por mim, em 2007.

O projeto Cão Terapia nasceu com o objetivo de incentivar a adoção de animais, tendo como principal foco os cães resgatados por maus-tratos pela Prefeitura de Florianópolis e que aguardavam adoção no antigo canil municipal, que naquela época – antes da construção do (CCZ) Centro de Controle de Zoonoses localizado no bairro Itacorubi –, ficava no município de São José.

A Cão Terapia começou com os passeios aos sábados à tarde para que cada animal tivesse momentos de lazer, pudesse sair da baia, receber carinho e atenção dos voluntários, mas, sobretudo, tivesse visibilidade para que, finalmente, fosse adotado. O projeto foi imediatamente abraçado pela sociedade, tornando-se parte do calendário de eventos da cidade de Florianópolis.

Com o engajamento de muitas pessoas solidárias e dispostas a ajudar, senti a necessidade de ampliar e potencializar as ações, uma vez que estes animais estavam sob tutela de uma Prefeitura, enquanto tantos outros viviam sem nenhum tipo de assistência. Em janeiro de 2008, as ações foram regularizadas como entidade sem fins lucrativos e de caráter social, registrada com o nome de Organização Bem-Animal e se tornando conhecida como OBA!. Desta forma, a Cão Terapia passou a ser um projeto institucional, e outros nasceram, como o Mutirão Mata-Fome.

Foto: OBA!/Divulgação/ND

Como funcionam a Cão Terapia e o Mutirão Mata-Fome?

Em fevereiro de 2009, com a inauguração do CCZ, os animais foram transferidos para as novas instalações, no bairro do Itacorubi, onde também está instalada a (Dibea) Diretoria do Bem-Estar Animal de Florianópolis.

A Cão Terapia, que antes tinha uma média de 30 voluntários, passou a ter uma participação expressiva de pessoas de todas as idades, muitas vezes, chegando a 100 voluntários a cada sábado, tornando um projeto referência e conhecido nacionalmente, mobilizando muitas pessoas e apoiadores.

Entretanto, em novembro de 2018, com o início da reforma e ampliação das instalações do CCZ e Dibea – que teria duração de um ano –, o projeto foi suspenso por decisão da Prefeitura. Até o momento, dois anos depois, não teve retorno e nenhuma justificativa por parte da Prefeitura, embora exista uma petição on-line com 2.500 assinaturas pedindo o retorno da Cão Terapia.

Outra ação da OBA! é o Mutirão Mata-Fome, onde voluntários visitam áreas de pobreza da Grande Florianópolis, procurando alimentar, tratar e castrar cães e gatos, controlando a superpopulação de animais abandonados e maltratados. No entanto, o objetivo maior é educar e conscientizar as pessoas para a causa dos animais abandonados e sobre as responsabilidades de assumir a guarda de um animal.

No final de 2008, quando Santa Catarina enfrentava as dificuldades das enchentes, recebemos um pedido de ajuda para os animais da aldeia indígena guarani Y Ynn Moroti Whera, localizada na praia de São Miguel, município de Biguaçu. A população animal estava fora do controle, aproximadamente 150, entre cães e gatos, muitos deles com sarna, verminose e outros parasitas.

Inicialmente, todos os animais foram tratados e medicados, e à medida que seus tutores permitiam, foram sendo encaminhados para castração. Desde então, as ações na aldeia Y Ynn Moroti Whera passaram a ser semanais.

De 2009 a 2011, a OBA! realizou o Mutirão Mata-Fome nas aldeias indígenas Morro dos Cavalos e Maciambu, localizadas no município de Palhoça, e no bairro Tapera, no Sul da ilha.

Em 2016, além da aldeia Y Ynn Moroti Whera, a OBA! voltou a visitar as aldeias Morro dos Cavalos e Maciambu, assim como outras comunidades indígenas nos municípios de Palhoça, Biguaçu, Canelinha e Tijucas, totalizando 11 aldeias.

O Mata-Fome completou 12 anos em setembro. Quantos cães e gatos foram atendidos? Como prover alimento para tantos?

Atualmente, são amparados 500 animais, entre cães e gatos, que estão nestas comunidades indígenas e algumas áreas de entorno.

Através desta ação, já foram encaminhados para castração em clínica veterinária particular mais de 2.000 animais. Nestes 12 anos de atuação, a OBA! encaminhou para novos lares mais de 1.000 animais, retirando das ruas, aldeias indígenas e áreas de pobreza ninhadas e animais de todas as idades.

Este trabalho só é possível com uma rede de apoio, que colabora doando ração a cada semana, financiando uma castração ou uma internação. Os voluntários também são vitais para que esta ação exista por mais de uma década.

Foto: OBA!/Divulgação/ND

Antes da OBA!, alguém ou alguma entidade fazia trabalho semelhante? O que acontecia com aqueles animais sem atendimento?

Algumas ações pontuais, visando o controle populacional, já haviam acontecido em duas aldeias inseridas no município de Palhoça, também de forma voluntária e sem nenhum apoio do poder público.

Entretanto, quando a OBA! iniciou suas atividades nestas comunidades indígenas, não havia nenhuma destas ações em andamento e os animais estavam se reproduzindo descontroladamente, com problemas de pele (sarna, fungos), e parasitas (vermes, pulgas, carrapatos, bichos de pé, etc.).

Muitas destas aldeias indígenas estão inseridas em áreas de mata nativa, então os acidentes ofídicos (mordidas de cobras venenosas são altamente letais) e brigas entre espécies (cães com ouriço, principalmente) são muito comuns. Desta forma, antes da atuação da OBA!, os indígenas não tinham nenhum apoio e tentavam amparar seus animais da forma que era possível, mas, muitas vezes, o animal vinha a óbito.

As aldeias que estão localizadas às margens de rodovias sofrem negativamente com o abandono de animais, assim como o atropelamento de seus cães e gatos. É um trabalho árduo e desafiador, que exige bastante do nosso emocional, pois não conseguimos salvar todos.

 Qual a área de atuação da OBA! e quantos voluntários colaboram atualmente?

As ações executadas através do Mutirão Mata-Fome estão fortemente baseadas sob a visão do conceito de Saúde Única, em que a saúde humana, animal, vegetal e do meio ambiente estão interligadas. Todos os domingos a OBA! visita uma ou mais comunidades amparadas com uma média de cinco voluntários, pois vamos em apenas um carro. Entretanto, a participação dos voluntários é rotativa, e, atualmente, uma média de 20 pessoas está colaborando de forma direta. Mas, para que as ações aconteçam, existe uma rede de apoio enorme que colabora indiretamente, doando ração, medicamentos, ou financeiramente, através das campanhas de apadrinhamento.

Onde se localizam as aldeias indígenas atendidas e por que este público?

As aldeias que a OBA! visita atualmente estão inseridas nos município de Palhoça (cinco), Biguaçu (quatro), Canelinha (uma) e Tijucas (uma).

Os animais sob guarda das famílias indígenas foram escolhidos por não haver nenhuma iniciativa dos órgãos competentes de controle populacional e de zoonoses quando o projeto foi criado, há 12 anos. Lamentavelmente, esta situação não mudou, e os animais sob guarda das famílias indígenas podem contar apenas com a OBA!.

O que seria desses animais se não recebessem socorro ao serem vítimas de atropelamento, picadas de cobra ou serem acometidos por alguma doença? O que seria da população indígena se estes animais não estivessem sendo castrados ou não estivessem recebendo produtos para controle de parasitas periodicamente?

Foto: OBA!/Divulgação/ND

De que forma se pode colaborar para manter as atividades da OBA!?

As pessoas interessadas podem participar das ações e eventos da OBA!, que são divulgados semanalmente em nossas redes sociais; doando ração ou medicamentos nos pontos de arrecadação permanentes; ou, ainda, apadrinhando uma castração ou um animal em tratamento.

Além dos casos notórios, os bichos sofrem maus-tratos sutis? Quais?

Existem diversas formas de maus-tratos aos animais que não são tão explícitas, como espancar, mutilar, matar. Resumidamente, maus-tratos é provocar sofrimento físico ou psíquico ao animal. Os animais têm direitos que merecem ser respeitados e defendidos.

Só para dar um exemplo, uma das formas de maus-tratos muito comum em nossa cidade é manter o animal acorrentado dia e noite, faça chuva ou sol, 24 horas por dia, durante toda a sua vida. Muitas destas pessoas podem até acreditar que cuidam de seus animais, pois fornecem água e comida, e podem até mesmo sentir afeto por ele, mas desconhecem que praticam um crime previsto em lei.

Em 4 de outubro, são comemorados o Dia Mundial dos Animais, o Dia Nacional de Adotar um Animal e o dia de São Francisco de Assis, o protetor deles. A OBA! faz alguma atividade especial?

Como neste ano a data cai no domingo, dia em que o Mata-Fome acontece com a presença dos voluntários, realizaremos esta ação com uma motivação e alegria maior pelas vidas que defendemos e amparamos. Neste dia, será lançada uma nova campanha focada no Mutirão, pois as ações se intensificam muito no período da primavera e verão, época do nascimento de muitas ninhadas, aumento do abandono e maus-tratos.

Algumas religiões dizem haver um plano espiritual também para o animais. No que acreditas?

Acredito que podemos ser para os animais o que os anjos são para nós: devemos zelar, proteger, amar e cuidar. Sinto que minha missão é estar em defesa deles, garantindo que tenham suas vidas respeitadas e amparadas. Este é o meu propósito, que realizo com toda a minha dedicação e amor.

Conheça a OBA!

Por Marcos  Cardoso

Fonte: ND Mais


Nota do Olhar Animal: O belíssimo projeto Cão Terapia, da ONG OBA Floripa!, foi inexplicavelmente interrompido pela Prefeitura, em uma decisão claramente POLÍTICA e que há dois anos vêm privando os animais da benéfica visita de voluntários e de potenciais adotantes. Os cães ganhavam passeios, carinho e, muitas vezes, um lar amoroso. É VERGONHOSA a postura da Prefeitura de Florianópolis, comandada por Gean Loureiro (MDB), ao interromper uma ação tão positiva. Parabéns à ONG por este projeto e também pela atuação junto às comunidades indígenas, invariavelmente carentes e com assistência precária, seja a destinada aos humanos, seja a dirigida aos animais.

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